TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

332 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Referem ainda que o direito de transmissão da propriedade em vida ou por morte «é, seguramente, uma dimensão do direito de propriedade essencial à realização do Homem como pessoa. Este “poder-dispor” é, por isso, um direito fundamental de defesa que se traduz, concretamente, “no poder de transmissão dos direitos patrimoniais de que se é titular, tanto inter vivos como mortis causa , o que postula, necessariamente, a existência de liberdade contratual em geral e de liberdade testamentária em particular”». 27. Do ponto de vista do titular do bem apreendido, enquanto vigorar a apreensão, o grau e a dimensão da afetação do seu direito de propriedade sobre o bem são potencialmente os mesmos na apreensão para prova e na apreensão preordenada à perda. Ademais, sendo inegável a dupla natureza da apreensão em sede processual penal, certo é que o Tribunal Constitucional não introduziu nenhuma distinção no Acórdão n.º 7/87, Plenário, quando se debruçou espe- cificamente sobre a norma do artigo 178.º, n.º 3, do CPP de 1987 (na sua redação originária), designada- mente por referência aos parâmetros constitucionais contidos nos artigos 32.º, n.º 4, e 62.º da Constituição. Neste aresto, proferido em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade do Decreto-Lei que aprovou o CPP, uma das questões colocadas pelo Requerente consistia precisamente em saber se ao prever que as apreensões possam ser autorizadas ou ordenadas por despacho da autoridade judiciária, ou mesmo por órgãos de polícia criminal, o n.º 3 do artigo 178.º violava o disposto no n.º 4 do artigo 32.º e o n.º 1 do artigo 62.º da Constituição. Apreciando esta questão no ponto 2.8 do aresto, o Tribunal afirmou: «O n.º 1 deste artigo manda apreender “os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim todos os objetos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros suscetíveis de servir a prova”. Nos termos do n.º 3, “as apreensões são autorizadas ou ordenadas por despacho da autoridade judiciária, salvo quando efetuadas no decurso de revistas ou de buscas, caso em que lhe são aplicáveis as disposições previstas neste Código para tais diligências”. Segundo o Presidente da República, “ao prever que as apreensões possam ser autorizadas ou ordenadas por despacho da ‘autoridade judiciária’, ou mesmo por órgãos de polícia criminal”, o n.º 3 do artigo viola o disposto no n.º 4 do artigo 32.º e no n.º 1 do artigo 62.º da Constituição. A isto responde o Governo: em primeiro lugar, que “o que se passa com o n.º 3 do artigo 178.° do Código tem, obviamente, a ver com a interpretação que prevaleceu quanto ao princípio constitucional da judicialização instrutória”; em segundo lugar, que a medida de apreensão “não integra um ato materialmente instrutório”; em terceiro lugar, que o n.º 1 do artigo 62.º não resulta afetado, já que “a apreensão processual nunca foi considerada como negadora da relação jurídico-civil de propriedade”. Quanto à violação do n.º 4 do artigo 32.º, a questão que se põe e, no fundo, a da competência do Ministério Público para dirigir o inquérito, questão a que já se deu resposta afirmativa. Quanto à violação do n.º 1 do artigo 62.º: Garante-se aí “o direito a propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte”. Simplesmente, o direito de propriedade está longe de ser ilimitado e a apreensão de objetos em processo penal nos casos referidos não pode deixar de considerar-se como um limite imanente desse direito » (itálico aditado). Numa matéria distinta, por implicar um maior sacrifício do «direito constitucional de propriedade privada», o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 340/87, 2.ª Secção, ponto 3.2.5, já concluiu pela não inconstitucionalidade do artigo 108.º do Código Penal de 1982 (na sua redação originária), quando prevê a perda a favor do Estado de objetos de terceiro. Nesta decisão, o Tribunal considerou que o direito contra- posto ao direito de propriedade define os próprios limites deste, não deixando, porém, de recorrer a uma avaliação da proporcionalidade da medida legislativa em causa, em especial, na perspetiva da sua adequação à salvaguarda dos valores prosseguidos e da sua proporcionalidade, como se percebe das passagens que de seguida se transcrevem:

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