TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

331 acórdão n.º 387/19 Neste último Acórdão n.º 425/00, 3.ª Secção, ponto 7, o Tribunal concluiu que, no que diz respeito ao «direito de transmissão da propriedade», sem condicionamentos, «nem estaríamos (…) no âmbito da dimen- são em que ao direito de propriedade se aplica o regime definido para os direitos, liberdades e garantias». 26. O despacho recorrido pronunciou-se apenas pela inconstitucionalidade da dimensão normativa resultante do artigo 178.º, n. os 1 e 3, do CPP, que se reporta à apreensão enquanto garantia de eventual e futura declaração de perda para o Estado, não deixando de assinalar as diferenças que separam esta figura da apreensão enquanto meio de obtenção de prova. Apesar de integrado na parte do Código que se ocupa dos meios de obtenção de prova, o n.º 1 do artigo 178.º do CPP contempla também a apreensão de bens preordenada à finalidade de garantir a execução da decisão final que decrete a perda dos bens a favor do Estado. Como já acima aludido (ponto 20.), trata-se de um meio processual que garante a perda de vantagens a favor do Estado prevista no artigo 111.º, n. os 1, 2 e 3, do CP. Não se ignora que as finalidades prosseguidas pela apreensão enquanto meio de obtenção de prova e a apreensão enquanto garantia processual da perda de vantagem não são necessariamente coincidentes. Se ambas visam a realização da justiça, certo é que a asseguram por meios processuais diferentes. A apreensão enquanto meio de prova prossegue a descoberta da verdade, enquanto a apreensão para a perda de vantagem acautela a eficácia da decisão final. No primeiro caso os bens apreendidos podem ser devolvidos ao seu titu- lar logo que deixem de ser necessários para a prova. No segundo só são devolvidos se não forem declarados perdidos para o Estado pela sentença que julgue o caso (artigo 186.º, n. os 1 e 2, do CPP). As diferenças identificáveis na apreensão como meio de prova e na apreensão como garantia da efeti- vação da decisão de perda não conhecem reflexo no regime jurídico estabelecido no CPP. Este é definido de forma uniforme ao nível da entidade competente para ordenar a apreensão – a competência é sempre da autoridade judiciária – artigo 178.º, n.º 3. Ora, assim sendo, pode colocar-se a questão sobre se esse facto implica um diferente enquadramento da restrição do direito fundamental por elas atingido.  Nesse contexto, observando que o CPP não faz distinções em relação à entidade competente para autorizar, ordenar ou validar as apreensões para efeitos de obtenção de prova ou de futura perda de vantagens, referem Manuel Costa Andrade e Maria João Antunes ( Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 146.º, julho-agosto, 2017, pp. 360-370) que «esta indiferenciação no plano da incompetência e dos pressupostos esquece um dado tão patente como decisivo. A saber: que estamos perante meios processuais que cumprem finalidades distintas: a apreensão enquanto meio de obtenção da prova serve a finalidade processual penal da descoberta da verdade (…); a apreensão enquanto garantia processual da perda de vantagens tem em vista a finalidade processual penal de realização de justiça (…)». Assim, concluem que a desconsideração da finalidade processual distinta que cada um dos meios processuais visa prosseguir obriga a questionar a conformidade constitucional de algumas normas deste regime, nomeadamente por referência aos parâmetros constantes do artigo 32.º, n.º 4, da CRP e do artigo 62.º, n.º 1, da CRP. Segundo os referidos autores ( ob. cit. ), é indiscutível que a apreensão de bens enquanto meio processual de garantia da perda das vantagens do crime deve ser configurada como uma restrição do direito de pro- priedade privada, constitucionalmente consagrada enquanto direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias e, como tal, sujeita ao regime do artigo 18.º, n. os 2 e 3, da CRP, por força do disposto no artigo 17.º. «A natureza marcadamente garantística e prospetiva da apreensão de bens que tem em vista a perda de vantagens enquadra-se no âmbito das restrições de direitos», já que «não são aqui identi- ficáveis fronteiras definidas pela própria Constituição que façam da apreensão enquanto garantia processual da perda das vantagens do crime a favor do Estado um limite imanente ao direito de propriedade privada ainda que se aceite esta categoria dogmática. Com efeito, do que se trata é de apreender objetos ao arguido ou a terceiro, até ao trânsito em julgado da sentença com a função de garantir a execução de uma decisão penal que eventualmente venha a decretar a perda de vantagens do crime, num âmbito de um processo em que se investiga a notícia do crime que terá dado origem a tais vantagens».

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