TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
329 acórdão n.º 387/19 como princípio independente e auto-suficiente; ela é reconhecida e salvaguardada no âmbito da Consti- tuição e em sintonia com os princípios, valores e critérios que a enformam» (Jorge Miranda, Constituição Portuguesa Anotada, Jorge Miranda e Rui Medeiros (coord.), tomo I, Coimbra Editora, 2005, em anotação ao artigo 62.º, ponto VI). A Constituição não garante, pois, o direito à propriedade em termos absolutos, o que exige a compati- bilização com outras exigências constitucionais. Assim, a determinação do âmbito de proteção constitucional que é conferida a este direito fundamental não se afigura pacífica, uma vez que o conceito constitucional de propriedade que se encontra inscrito no n.º 1 do artigo 62.º da Constituição não possui um nível de con- cretização desenvolvido no texto constitucional. Por outro lado, como o Tribunal Constitucional tem afirmado, a tutela constitucional do direito à propriedade não é incompatível com a compressão desse direito, «desde que seja identificável uma justifi- cação assente em princípios e valores também eles com dignidade constitucional» (Acórdão n.º 391/02, 2.ª Secção, ponto 5). Entre os princípios, direitos e interesses que podem fundamentar a limitação do direito de propriedade privada para além dos expressamente previstos no n.º 2 do artigo 62.º da Constituição, rel- evam, no contexto da questão a decidir no presente recurso, os direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição, designadamente as garantias de defesa em processo penal ou o valor constitucionalmente reconhecido à segurança das pessoas. 25. Apelando à dimensão da propriedade enquanto «pressuposto da autonomia das pessoas» a decisão recorrida baseia-se na conclusão de que a norma do artigo 178.º, n.º 1, do CPP restringe o direito de pro- priedade privada, na componente de liberdade de transmissão dos bens, consagrado no artigo 62.º, n.º 1, da CRP, ao prever a apreensão de bens que constituam o lucro, o preço ou a recompensa do crime. Uma tal conclusão pressupõe o entendimento segundo o qual o direito de transmissão da propriedade privada consti- tui uma dimensão do direito de propriedade que reveste natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias e como tal se encontra constitucionalmente protegida. É sabido que que o direito de propriedade apresenta uma estrutura complexa, desdobrando-se em várias faculdades, apesar de complementares e convergentes. De acordo com o Acórdão n.º 148/05, 3.ª Secção, ponto 7, «não sofre dúvidas que a Constituição garante explicitamente no artigo 62.º três componentes: (i) o direito de aceder à propriedade; (ii) o direito de não ser arbitrariamente privado da propriedade; (iii) o direito de transmissão da propriedade inter vivos ou mortis causa ». Assim, para além do direito à propriedade e à sua transmissão em vida ou por morte, a que alude expressamente o n.º 1 do artigo 62.º da Constituição, a garantia constitucional da propriedade contempla também uma garantia de permanência concretizada no direito à não privacão arbitrária do direito de propriedade de que se e titular, numa dimensão perentória de tutela do “adquirido”. Esta dimensão não esgota, porém, o campo aplicativo do regime definido para os direitos liberdades e garantias (vide Acórdão n.º 159/07, Plenário, pontos 11 e 13). São ainda pacificamente incluídos no feixe das faculdades protegidas pela garantia do direito de propriedade privada constante do artigo 62.º, n.º 1, da Constituição, os poderes de uso e fruição, ainda que não expressamente nomeados. A este respeito, o Acórdão n.º 127/13, 3.ª Secção, ponto 6, esclarece: «Apesar de a liberdade de uso e fruição dos bens de que se é proprietário não ser expressamente mencionada no n.º 1 do artigo 62.º da Constituição, no seu núcleo essencial, esta faculdade integra naturalmente o direito de pro- priedade quando este respeita ao universo das coisas. Todavia, são particularmente intensos os limites constitucio- nais quanto a este aspeto, podendo a lei estabelecer limitações dos poderes do proprietário usar a coisa credenciadas nos demais valores constitucionais. Aliás, pode até afirmar-se que o jus utendi constitui, no conjunto das faculdades inerentes à proprietas rerum, aquela que pode considerar-se mais necessitada de determinações de conteúdo e mais passível de limitações, seja na própria modelação dos poderes do proprietário no confronto com direitos de terceiro (p. ex. relações de vizinhança), seja os que decorrem da compatibilização com outros valores constitucionais [p.
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