TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

328 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de um ato ilícito. Permite-se, ainda, que os órgãos da polícia criminal possam efetuar apreensões quando haja fundado receio de desaparecimento, ocultação ou transferência de instrumentos, produtos ou vantagens ou outros objetos provenientes da prática de um facto ilícito suscetíveis de ser declarados perdidos o favor do Estado (novo n.º 5). Permite-se que os titulares de instrumentos, produtos ou vantagens ou outros objetos apreendidos podem requerer ao juiz de instrução a modificação ou a revogação da medida, sendo o requeri- mento autuado por apenso e notificando-se o Ministério Público para, em 10 dias, deduzir oposição (novos n. os 7 e 8 do artigo 178.º). 22. No caso, o juiz a quo, após distinguir as duas dimensões da apreensão em função da sua teleologia, entendeu que a medida em causa nos autos apenas visava garantir uma futura perda a favor do Estado e, con- sequentemente, apenas se pronunciou sobre esta vertente do instituto. Para tanto, afirmou, a fls. 494, que: «conforme resulta do despacho que decretou a apreensão dos imóveis, a medida em causa não foi proferida enquanto meio de obtenção de prova, tanto mais que a mesma foi proferida em sede de encerramento do inquérito, mas sim enquanto garantia processual da perda de vantagens». Esta consideração levou à recusa de aplicação da norma constante do artigo 178.º, n. os 1 e 3, do CPP, enquanto defere ao Ministério Público a competência para autorizar, ordenar ou validar a apreensão de objetos que constituam o lucro, o preço ou a recompensa do crime, por violação do artigo 32.º, n.º 4, da Constituição. Esta é, assim, a questão de constitucionalidade que nos é dado decidir. Aqui chegados, é tempo de passar à análise da referida questão à luz dos parâmetros invocados pela decisão recorrida. C . Do mérito 23. A decisão recorrida assenta no entendimento de que a apreensão de objetos que constituírem lucro, preço ou recompensa do crime, enquanto garantia processual da perda de vantagens a favor do Estado, constitui uma medida restritiva de direitos fundamentais. O direito fundamental restringido é o direito de propriedade privada, consagrado no artigo 62.º, n.º 1, da CRP, o qual reveste natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, ainda de acordo com a decisão objeto de recurso. Em consequência, sustenta o juiz a quo que, devendo todas as medidas de instrução que afetem direitos fundamentais ser ordenadas por um juiz, nos termos do artigo 32.º, n.º 4, da Constituição, deve ser considerada materialmente inconstitucional a norma que defere ao Ministério Público a competência para autorizar, ordenar ou validar a apreensão de objetos que constituam o lucro, o preço ou a recompensa do crime, prevista no artigo 178.º, n. os 1 e 3, do CPP. Importa, portanto, verificar se estamos em presença de uma medida constitucionalmente reservada à competência judicial nos termos do artigo 32.º, n.º 4, da Constituição. Uma tal determinação pressupõe a prévia delimitação do conteúdo constitucionalmente protegido do direito fundamental potencialmente afetado pela medida legislativa a sindicar. i) Da alegada violação do direito à propriedade 24. O direito fundamental de propriedade, um dos pilares clássicos em que assenta historicamente a proteção constitucional dos direitos dos cidadãos, encontra-se previsto e garantido, em primeira linha, pelo artigo 62.º da Constituição, tendo sido integrado pelo legislador constitucional no catálogo de direitos fundamentais de natureza económica. Neste âmbito, o n.º 1 do artigo 62.º da Constituição garante a todos o direito à propriedade privada e à sua transmissão por vida ou por morte, «nos termos da Constituição». Como tem sido notado na doutrina constitucional, a remissão constante da parte final deste preceito não dispensa uma atividade interpretativa que defina os contornos do direito à propriedade que é constitu- cionalmente garantido. Assim, tal «implica não tanto que ela só seja garantida dentro dos limites e dos termos previstos e definidos noutros lugares da Constituição quanto que ela não é reconhecida aprioristicamente,

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