TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

323 acórdão n.º 387/19 19. Não obstante a inserção sistemática deste artigo no título do CPP que tem por objeto os meios de obtenção da prova, a apreensão é também uma garantia processual da perda (do confisco) de bens (de instru- mentos, de produtos e de vantagens), sendo este um entendimento convergente da generalidade da doutrina. Para Germano Marques da Silva, a apreensão não é apenas um meio de obtenção e conservação da prova, mas também de segurança de bens para garantir a execução. Assim, embora se destine essencialmente a conservar provas reais, visa também garantir a efetivação da privação definitiva do bem ( Curso de Processo Penal, Vol. II, p. 217). No entendimento de Damião da Cunha, «no âmbito do CP (mas também do CPP) existe uma direta ligação entre a figura da apreensão (enquanto medida processual) e a declaração de perda; existe uma dupla função quanto aos bens apreendidos: eles são meios de prova do facto cometido e devem ser declarados perdidos em direta ligação ao facto ilícito praticado» ( Perda de Bens a Favor do Estado, Artigos 7.º-12.º da Lei 5/2002, de 11 de janeiro (medidas de Combate à Criminalidade Organizada e Económico-Financeira), Centro de Estudos Judiciários, 2002, p. 26). Por fim, também João Conde Correia entende que a apreensão de bens tem natureza híbrida: a medida destina-se a obter e a conservar as provas (finalidade processual probatória), mas também a garantir a perda dos objetos que as encarnam a favor do Estado, nos termos dos artigos 109.º e seguintes do CP (finalidade processual substancial). Para este autor, se os instrumenta, producta ou vantagens não forem apreendidos, para além das dificuldades probatórias acrescidas que isso pode acarretar, será mais difícil proceder depois ao seu confisco, impedir a prática de novos crimes e, sobretudo, acumulação indesejável e perniciosa das suas vantagens ( Da Proibição do Confisco à Perda Alargada , ob . cit ., pp. 154 e 155). Na jurisprudência, legitimando constitucionalmente esta duplicidade, o Acórdão do Tribunal Consti- tucional n.º 294/08, considerou que «a apreensão é também um meio de segurança dos bens que tenham servido ou estivessem destinados a servir a prática do crime, ou que constituam o seu produto, lucro, preço ou recompensa, como forma de garantir a execução da sentença penal, o que também justifica a conservação dos objetos apreendidos à ordem do processo até à decisão final». Assim, ao contrário de outros ordenamentos jurídicos, onde a lei separa a apreensão para efeitos de prova da apreensão para efeitos de perda, a legislação nacional prevê o carácter misto deste mecanismo, misturando finalidades probatórias e substantivas com as garantias processuais da efetividade do confisco. Esta dupla função foi também assumida, de forma expressa, nos artigos 1.º, n. os 1 e 2, e 2.º, alínea c) , da Lei n.º 25/2009, de 5 de junho, que estabelecia o regime jurídico da emissão e da execução de decisões de apreensão de bens ou elementos de prova na União Europeia, em cumprimento da Decisão Quadro n.º 2003/577/JAI, do Conselho, de 22 de julho, quando explicitava que a decisão de apreensão pode ter em vista bens que podem ser objeto de perda ou bens que podem constituir elementos de prova. Esta lei foi, entretanto, revogada pela Lei n.º 88/2017, de 21 de agosto, que aprovou o regime jurídico da emissão, transmissão, reconhecimento e execução de decisões europeias de investigação (DEI) em matéria penal, transpondo a Diretiva 2014/41/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014. O artigo 44.º, n.º 9, desta lei estabelece que «os procedimentos de execução da DEI em território nacional regem-se pelo disposto na lei processual penal em matéria de apreensões de objetos e outros elementos suscetíveis de servir de prova». 20. Procurando fazer face às novas exigências colocadas pelo combate à criminalidade organizada e económico-financeira, cada vez mais sofisticada e geradora de elevados proventos, a Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, introduziu no ordenamento jurídico nacional um regime de perda de vantagens resultantes da prática de determinados ilícitos. Este regime insere-se numa tendência político-criminal atual que vai no sentido de demonstrar, quer ao condenado, quer à comunidade, que as vantagens obtidas pelo crime são perdidas (o velho adágio de que «o crime não compensa»), através de mecanismos destinados a impedir que o condenado pela prática de crime que lhe tenha permitido obter elevados proventos possa conservar no seu património as vantagens assim obtidas (cfr. a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 94/VIII, que deu origem à referida Lei n.º 5/2002).

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