TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
322 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da providência ao nível do reforço da vigência da norma (prevenção geral positiva ou de prevenção)» (cfr., Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime , Aequitas – Editorial Notícias, 1993, p. 632). No entanto, além destas finalidades preventivas, a este regime também está subjacente uma necessidade de restauração da ordem patrimonial dos bens correspondente ao direito vigente: um Estado de direito não pode deixar de preocupar-se em reconstituir a situação patrimonial que existia antes de alguém através de condutas ilícitas ter adquirido vantagens patrimoniais indevidas, mesmo que estas não correspondam a um dano de alguém em concreto. De facto, como refere João Conde Correia [«A recuperação dos ativos dos crimes contra a economia e a saúde pública (Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro)», in Revista do Ministério Público, p. 146, abril- junho 2016, p. 69], de nada valerá decretar a perda das vantagens do crime se, afinal, não houver garantias patrimoniais da sua exequibilidade. Se assim não for, se não estiver garantida a possibilidade da sua execução coerciva, a sentença arrisca-se a ser uma mera declaração platónica sem qualquer utilidade pública. Nem se compreenderia que o arguido não fosse, preventivamente, privado dos bens, permitindo-lhe desfazer-se de provas que o incriminam e de evitar ou suavizar os efeitos patrimoniais de uma futura condenação. Neste regime geral, a perda das vantagens pressupõe a demonstração de que as mesmas foram obtidas, direta ou indiretamente, como resultado da prática de um facto ilícito, ou seja, exige a prova, no processo, da existência de uma relação de conexão entre o facto ilícito criminal concreto e o correspondente proveito patrimonial obtido. 18. A apreensão prevista na norma objeto do presente processo é uma figura próxima das do arresto preventivo (artigo 228.º do CPP) ou do arresto dos bens do arguido para confisco alargado (artigo 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro). Para Germano Marques da Silva ( Curso de Processo Penal, Vol. II, pp.169 e 170), não obstante as diferen- ças, há uma continuidade dogmática nestes institutos: todos eles têm uma natureza cautelar e afetam a livre disposição dos bens do visado, com vista a permitir a execução das decisões judiciais, tendentes a apagar as vantagens do crime ou a reparar os seus efeitos sobre as vítimas. Apesar disso, no entendimento de João Conde Correia ( Da Proibição do Confisco à Perda Alargada , INCM, pp. 162 e 163), a diferença entre as referidas figuras reside, desde logo, no facto de os pressupostos para aplicação do arresto serem mais apertados, exigindo a demonstração do fundado receio da perda da garantia patrimonial. Para este autor, «se é compreensível que as exigências da investigação ou do confisco clássico facilitem os requisitos da apreensão, já não se admite que outras necessidades da questão patrimonial, embora cada vez mais prementes, justifiquem o mesmo tratamento generoso. Depois, porque, enquanto a apreensão se dirige, essencialmente, contra os instrumenta, producta ou vantagens do crime (na posse do arguido ou de terceiro), o arresto pode abranger todo o património do arguido (ainda que formalmente não esteja na sua posse ou que nada tenha a ver com o crime investigado), sendo, em princípio, muito mais agres- sivo para os direitos individuais». Também no que diz respeito ao sujeito processual competente para a implementação destes mecanismos há diferenças substanciais: as medidas de garantia patrimonial carecem de despacho judicial prévio [artigos 227.º, n.º 1, 228.º, n.º 1 e 268.º, n.º 1, alínea b) , do CPP] ao passo que a apreensão pode ser decretada pelo Ministério Público e, até, pelos próprios órgãos de polícia criminal (artigo 178.º, n. os 3, 4 e 5, do CPP). Naquelas exige-se que o juiz aprecie previamente a bondade da restrição; nesta, o juiz só intervém numa fase posterior, a pedido do interessado (neste sentido, vide João Conde Correia, "Apreensão ou arresto preventi- vos dos proveitos do crime", in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 25, jan-dez 2015, p. 540). Assim, pode concluir-se que a apreensão prevista na norma objeto do presente processo não se confunde com o arresto preventivo (artigo 228.º do CPP) ou com o arresto dos bens do arguido para confisco alargado (artigo 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro), nem nos seus requisitos, nem nos seus objetivos, nem sequer no seu âmbito.
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