TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

321 acórdão n.º 387/19 15. Atendendo à argumentação do Ministério Público no n.º 78 das suas conclusões, prima facie , cum- pre referir que não cabe a este Tribunal sindicar a aplicação, por parte dos tribunais recorridos, do direito infraconstitucional. Todavia, não deixa de se notar que a decisão recorrida construiu a interpretação norma- tiva que considerou inconstitucional, reportada ao artigo 178.º, n. os 1 e 3, do CPP, tendo por referência, no que concerne ao n.º 1 de tal preceito legal, segmentos que deixaram de vigorar com a entrada em vigor da referida Lei n.º 30/2017. Não obstante, a verdade é que a modificação conceptual introduzida no n.º 1 do artigo 178.º do CPP pela aludida lei, na parte em que descreve os objetos suscetíveis de apreensão, não prejudica a questão de constitucionalidade que se sindica no presente recurso de constitucionalidade, concretamente a de saber se a atribuição ao Ministério Público de competência para a prática dos atos de apreensão enquanto garantia processual de perda de vantagens viola ou não a Constituição. A diferença na letra do preceito não afeta a norma dele interpretativamente extraível, objeto do presente julgamento. Por fim, refira-se ainda que não compete ao Tribunal Constitucional apreciar da maior ou menor cor- reção, mérito ou adequação das escolhas feitas pelo legislador. A competência deste Tribunal cinge-se apenas à conformidade jusconstitucional das normas legais ou dimensões normativas. Desde que a opção legislativa se situe dentro da margem dessa mesma conformidade constitucional, tudo o mais dirá respeito a juízos de política legislativa que excedem as atribuições e competências do Tribunal Constitucional. Feito este esclarecimento prévio, passemos à delimitação jurídica da questão de constitucionalidade objeto do presente julgamento. 16. A norma que ora se analisa enquadra-se no regime legal da perda de coisas e direitos relacionados com a prática de um ilícito criminal, previsto, em termos gerais, no capítulo IX do Código Penal (CP), inti- tulado «perda de instrumentos, produtos e vantagens», onde se encontra regulada a «perda de instrumentos» e «perda de produtos e vantagens» (artigos 109.º e 110.º) bem como «instrumentos, produtos ou vantagens pertencentes a terceiro» (artigo 111.º). Neste regime normativo de âmbito geral prevê-se que sejam declarados perdidos a favor do Estado «os instrumentos de facto ilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico todos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática» (artigo 109.º, n.º 1) bem como «os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática» e «as vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem» [cfr. artigo 110.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CP]. 17. Numa perspetiva histórica, foi em 1987 que o novo CPP transformou a apreensão numa espécie de antecâmara do confisco. No CPP de 1929 e no CP de 1982 a apreensão era quase exclusivamente um simples meio de lograr a prova. As novas tendências da política criminal induziram importantes modifica- ções processuais. A criação do clima imprescindível para provar que afinal «o crime não compensa» (CP de 1982) foi complementada com o estabelecimento das condições adjetivas (CPP de 1987) necessárias para fazer cumprir esta nova filosofia. A apreensão passou então a garantir também o confisco das vantagens da prática do crime. É nesse contexto que a doutrina tem apontado, como fundamento político-criminal deste regime de perda de vantagens, finalidades preventivas (quer de prevenção geral, quer de prevenção especial). Ao procu- rar colocar o arguido na situação patrimonial em que estaria se não tivesse praticado determinado ilícito, sub- traindo as vantagens resultantes do mesmo, visa-se desencorajar a prática de crimes, ideia que é reafirmada «tanto sobre o concreto agente do ilícito-típico (prevenção especial ou individual), como nos seus reflexos sobre a sociedade no seu todo (prevenção geral), mas sem que neste último aspeto deixe de caber o reflexo

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