TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

319 acórdão n.º 387/19 dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos” bem como reprimir a violação da legalidade democrá- tica” (artigo 32.º, n.º 4, e 202.º, n. os 1 e 2, da Constituição). Para compreendermos a questão importa, antes de mais, saber se o direito de propriedade privada constitui um direito fundamental e, em seguida, se estaremos em presença de uma medida restritiva de direitos fundamentais. (…)  Uma vez assente a garantia constitucional da propriedade privada, conferida pelo artigo 62.º da Constituição, cumpre, agora, definir qual o concreto conteúdo dessa proteção constitucionalmente conferida à propriedade privada por aquele preceito. A este propósito tem o Tribunal Constitucional afirmado que o direito de propriedade, com a extensão assina- lada, reveste a natureza de direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias. (…) A propriedade constitui um pressuposto da autonomia das pessoas, não obstante a inclusão do direito que lhe corresponde no título respeitante aos “Direitos e deveres económicos, sociais e culturais”, alguma dimensão terá ele que permita a sua inclusão, pelo menos parcial, nos clássicos direitos de defesa, ou, para usar a terminologia da CRP, em alguma da sua dimensão será ele análogo aos chamados direitos, liberdades e garantias. (…)  Como é referido por Costa Andrade e Maria João Antunes ([“Da apreensão enquanto garantia processual de perda de vantagens do crime in RLJ , Ano 146] p. 368): “É precisamente esta componente do direito de pro- priedade privada que é restringida na apreensão de bens ao abrigo do artigo 178.º, n.º 1, do CPP, na parte que se refere a objetos que constituam lucro, preço ou recompensa do crime. E tanto assim é que o proprietário dos bens apreendidos pode mesmo incorrer na prática de crime se os subtrair ao poder público a que estão sujeitos”. Ora, constituindo a apreensão de objetos, na dimensão em causa (objetos que constituam o lucro, o preço ou recompensa do crime), uma verdadeira restrição de um direito fundamental de natureza análogo aos direitos, liber- dades e garantias, essa restrição terá de observar os princípios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade consagrados no artigo 18.º d[a] CRP. (…) Assim sendo, o artigo 178.º, n.º 1 e 3, do CPP, enquanto defere ao Ministério Público a competência para autorizar, ordenar ou validar a apreensão de objetos que constituam o lucro, o preço ou a recompensa do crime é materialmente inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 4, da CRP. (…) É certo que o legislador possibilita a intervenção do juiz a pedido do interessado, nos termos do n.º 7 do artigo 178.º do CPP, para que seja apreciada a bondade da decisão do M.ºP.º, mas esta possibilidade em nada contraria a conclusão quanto à inconstitucionalidade da norma, dado que essa intervenção apenas tem lugar após a restrição do direito, enquanto, que o princípio da reserva de juiz, consagrado no n.º 4 do artigo 32.º da CRP, tem uma função preventiva dos direitos fundamentais afetados pela prática de um ato processual». 14. Neste contexto, deve começar por se atender à letra dos segmentos relevantes do artigo 178.º do CPP. Este preceito, na redação atual dada pela Lei n.º 30/2017, de 30 de maio – transpondo a Diretiva n.º 2014/42/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, sobre o congelamento e a perda dos instrumentos e produtos do crime na União Europeia –, dispõe o seguinte: «Artigo 178.º Objeto e pressupostos da apreensão 1 – São apreendidos os instrumentos, produtos ou vantagens relacionados com a prática de um facto ilícito típico, e bem assim todos os objetos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros suscetíveis de servir a prova.

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