TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

314 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL BB. Quanto aos fundamentos da medida restritiva agora em causa, o Ministério Público invoca, em suma, a boa administração da Justiça criminal, sem, porém, atender a todas as dimensões problemáticas com ressonância constitucional que devem sopesar no juízo de adequação e necessidade. CC. Em primeiro lugar, porque o Ministério Público ignora a afetação do direito fundamental à reserva de juiz, enquanto uma outra posição jurídica restringida pela medida restritiva agora sob análise, antes relegando este postulado constitucional a um mero princípio procedimental de controlo da restrição ao direito de proprie- dade privada – mas nunca o considerando como um direito fundamental próprio, também objeto de uma (muito significativa) compressão. DD. Em segundo lugar, porque os pretensos fundamentos constitucionais legitimadores da medida restritiva não têm a plena projeção que o Ministério Público antevê como justificadora desta intromissão na esfera jurídica dos apreendidos, mormente quando em causa está o estabelecimento de uma mera garantia patrimonial (isto é, uma apreensão sem fins probatórios) ou quando o visado pela medida é um terceiro em relação ao qual não está em curso qualquer procedimento criminal em sentido próprio. EE. Restringir o direito de propriedade privada e de reserva de juiz de suspeitos, arguidos e terceiros para efeitos probatórios e/ou de garantia patrimonial não é, por conseguinte, uma medida idónea, nem indispensável, à tutela da boa administração da Justiça. FF. Razão pela qual se conclui pela manifesta inconstitucionalidade material in totum da norma em causa, extraí- da dos artigos 178.º, n. os 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa, por manifesta desadequação e desnecessidade. Da (des)proporcionalidade da restrição a direitos fundamentais operada pela norma cuja aplicação foi recusada GG. A medida restritiva sub judice , contendendo diretamente com direitos fundamentais, incluindo no seu núcleo expressamente garantido, não se revela proporcional face a potenciais medidas alternativas, em particular, e apelando ao precedente sistemático, a promoção de uma intervenção prévia do juiz de instrução antes ainda da consumação da ofensa implicada na apreensão de bens em processo penal. HH. Improcede a tese sustentada pelo Ministério Público de que a reserva constitucional de juiz se cumpre com a mera possibilidade da sua intervenção após a consumação da apreensão: desde logo porque o princípio proce- dimental e direito fundamental do artigo 32.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa desempenha um papel de proteção de direitos fundamentais, e não de mero resgate de direitos já violados. II. Esta solução alternativa de intervenção prévia do juiz, além de prosseguir de forma igualmente eficiente as vantagens a que se propõe a medida restritiva ( i . e ., a boa administração da justiça criminal) – uma vez que o regime das apreensões em processo penal nem sequer se caracteriza por uma urgência processual justificadora desse afastamento de juiz, havendo regimes especiais de apreensão que preveem esse cenário de emergência —, garante ainda um muito menor sacrifício da esfera jurídica dos particulares. JJ. Este menor excesso da medida alternativa é ainda reforçado quando em causa está a afetação da propriedade de um terceiro alheio ao procedimento criminal em curso ou a apreensão de um bem com fins meramente provisórios de garantia. KK. Por fim, cumpre ainda salientar que a intervenção prévia do juiz garante um mais eficiente e ponderado controlo da afetação de direitos fundamentais, atento o maior distanciamento e imparcialidade de um magis- trado judicial face ao magistrado do Ministério Público – o que aliás resulta implícito da opção do legislador constitucional de consagrar um princípio da judicialização da instrução. LL. Pelo que, também face ao agora exposto, deverão V. Exas., em linha com a fundamentação da decisão recor- rida, declarar a inconstitucionalidade material da norma extraída do artigo 178.º, n. os 1 e 3, do Código de Processo Penal, enquanto defere ao Ministério Público a competência para autorizar, ordenar ou validar a apreensão de objetos que constituam o lucro, o preço ou a recompensa do crime». Cumpre apreciar e decidir.

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