TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
313 acórdão n.º 387/19 vem até considerar, nas suas Alegações, que, à data do Acórdão deste Tribunal Constitucional sob o n.º 7/87, de 9 de Janeiro de 1987, “a realidade normativa sobre a qual recaiu o juízo de não inconstitucionalidade proferido no douto Acórdão n.º 7/87 não se distingue da que constitui objeto do presente recurso […]”. Q. Assim, nem o Tribunal a quo cometeu qualquer erro na apreciação dos artigos legais em vigor à data, nem a Lei n.º 30/2017 veio interferir – muito menos, invalidar – a vigência da norma extraída do artigo 178.º n. os 1 e 3, do Código de Processo Penal cuja (in)constitucionalidade conforma agora o objeto dos presentes autos, enquanto defere ao Ministério Público a competência para autorizar, ordenar ou validar a apreensão de objeto que constituam o lucro, o preço ou a recompensa do crime, ou, na nova formulação, os produtos ou vantagens relacionados com a prática de um facto ilícito típico. Da ausência de coincidência de julgados entre a decisão recorrida e o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/87 R. Ao contrário do que sustenta o Ministério Público, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/87 é impas- sível de resolver a questão de constitucionalidade sub judice , desde logo, porque se reporta a um recurso de fiscalização preventiva incidente sobre várias normas do Código de Processo Penal – e não a uma dimensão concreta de uma específica questão normativa relacionada com um aspeto bem identificado do regime das apreensões em processo penal. S. Acresce que, em 1987, o Tribunal Constitucional apreciou a questão de constitucionalidade preventiva de modo manifestamente perfunctório, ao ponto de se ter eximido de proceder à necessária ponderação entre o direito fundamental em causa e a finalidade da restrição que a ele se opera, limitando-se a basear a decisão na já ultrapassada teoria dos limites imanentes, sem considerar o princípio da proporcionalidade. T. O referido aresto constitucional também não teve em conta a afetação do direito fundamental ao juiz do artigo 32.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, nem a dupla natureza da apreensão em processo penal – dois aspetos nucleares à apreciação da constitucionalidade da norma desaplicada a quo . U. Acresce que o regime das apreensões em processo penal tem, desde então, sofrido significativas alterações: por um lado, face às recentes Leis n. os 45/2011, de 24 de junho, e 30/2017, de 30 de Maio, V. Por outro lado, porque, à data do Acórdão n.º 7/87, estava ainda em vigor o Código Penal de 1886, tendo o legislador regulado, de forma inovadora, no Código Penal atualmente em vigor, o regime da “perda de instrumentos, produtos e vantagens”, indissociável dos requisitos e efeitos das apreensões em processo penal. W. Resulta claro, portanto, que o Acórdão n.º 7/87 não pode servir para resolver, sem mais, a questão agora sub judice . A inconstitucionalidade material sub judice Da (des)necessidade e (des)adequação da restrição a direitos fundamentais operada pela norma cuja aplicação foi recusada X. O direito de propriedade privada é um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, benefi- ciando, nessa medida, nos termos do artigo 17.º da Constituição, da força jurídica conferida pelo artigo 18.º. Y. O Ministério Público considerou erradamente que a medida restritiva agora em causa não afeta o núcleo essencial do direito de propriedade privada expressamente garantido, isto é, o direito “à sua transmissão em vida ou por morte”. Z. E assim é porque, uma vez apreendido em processo penal, o bem pode vir a ser vendido por mera determi- nação de um terceiro (não proprietário) – isto é, o Gabinete de Recuperação de Ativos, sob dependência da Polícia Judiciária (cfr. artigo 10.º da Lei n.º 45/2011) —, o que consubstancia uma restrição ao referido núcleo essencial. AA. Acresce que os poderes do Gabinete de Recuperação de Ativos, enquanto titular dos poderes de administra- ção de bens apreendidos em processo penal, abrangem ainda, além do poder de disposição, e entre o mais, o poder para determinar a afetação do bem – pelo que, e em suma, a medida restritiva sub judice limita o direito fundamental de propriedade privada, pelo menos, nas seguintes manifestações nucleares: a liberdade de usar e fruir dos bens; a liberdade de os transmitir; a liberdade de não ser privado deles.
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