TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

310 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 80. A matéria que agora é trazida ao conhecimento do Tribunal Constitucional, na aparentemente incon- gruente formulação acima identificada, já dele mereceu apreciação e decisão, em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade, no âmbito do seu douto Acórdão n.º 7/87. 81. Nele, o Tribunal Constitucional, colocado perante a mesma questão jurídico-constitucional agora suscitada pelo Mm.º Juiz a quo e suportada pelas mesmas disposições e normas jurídicas, não hesitou em não se pronunciar pela inconstitucionalidade da norma contida no n.º 3 do artigo 178.º do Código de Processo Penal – decisão cuja fundamentação contemplou, igualmente, a relevância do conteúdo do n.º 1 da mesma disposição legal – com referência aos mesmos parâmetros constitucionais, decisão que se mantém totalmente atual. 82. Todavia, sem prejuízo da conclusão obtida, e sendo certo que a realidade normativa sobre a qual recaiu o juízo de não inconstitucionalidade proferido no douto Acórdão n.º 7/87 não se distingue da que constitui objeto do presente recurso, admitimos, ainda assim, e por hipótese meramente académica, que se pondere se a inferência alcançada poderia, por razões de contexto, revelar-se obsoleta. 83. A primeira dimensão a considerar dimana da distinção preambular, que impregna todo o despacho recor- rido, entre a apreensão enquanto meio de obtenção de prova e a apreensão enquanto garantia de efetivação da eventual perda de objetos a favor do Estado privação definitiva de bens, ambas sediadas legalmente no n.º 1 do artigo 178.º do Código de Processo Penal. 84. Quanto a ela, concluímos que, sendo a redação do preceito sobre a qual incidiu o juízo do Tribunal Cons- titucional, plasmado no douto Acórdão n.º 7/87, idêntica à desaplicada pelo Mm.º Juiz a quo e sendo sobejamente conhecido o tema da dupla natureza da apreensão em sede processual penal, aquele Tribunal ponderou todas as dimensões do problema e se pronunciou pela não inconstitucionalidade em termos que mantêm a sua atualidade porque não erodidos pelo tempo. 85. Uma outra dimensão contextual suscetível de, hipoteticamente, perturbar a atualidade do decidido pelo Tribunal Constitucional no douto Acórdão n.º 7/87, brota da evolução doutrinária do próprio Tribunal e das consequências que o apuramento conceptual e o progresso teórico podem exercer sobre os concretos juízos de constitucionalidade. 86. O Tribunal Constitucional, no mencionado Acórdão n.º 7/87, para concluir que o direito garantido pelo disposto no n.º 1 do artigo 62.º, da Constituição da República Portuguesa, ou seja, o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, recorreu ao conceito de limites imanentes de direitos fundamentais, considerando que, no caso sob escrutínio, “a apreensão de objetos em processo penal nos casos referidos não pode deixar de considerar-se como um limite imanente desse direito”. 87. Ora, sendo certo que o Tribunal Constitucional tem vindo a abandonar a conceção dos direitos funda- mentais enquanto direitos cujo conteúdo se encontra originariamente circunscrito e pré-determinado por limites intrínsecos substituindo-a pela conceção dos direitos fundamentais como princípios, entendidos como mandados de otimização, os quais, quando em colisão com outros direitos fundamentais ou interesses constitucionalmente protegidos devem ceder proporcionalmente de acordo com juízos de ponderação, afigura-se-nos, ainda assim, que tal mudança de paradigma se revela inócua no que à aplicabilidade ao caso vertente da solução jurídica encontrada no douto Acórdão n.º 7/87 concerne. 88. Ou seja, a avaliação da conformidade constitucional decorrente da compressão que o direito à propriedade privada, protegido, nas suas vertentes de consagração da existência e de garantia da faculdade de disposição, pelo disposto no n.º 1 do artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa, sofre em resultado da consideração dos limites imanentes que o condicionam por força da aplicação do disposto, conjugadamente, nos n. os 1 e 3 do artigo 178.º do Código de Processo Penal, em nada difere da que resulta da colisão entre ele e os interesses constitucio- nalmente protegidos supra-mencionados, a saber, os interesses na promoção da paz social e da paz jurídica, na segurança de pessoas e bens, na realização e eficácia da justiça e no exercício da ação penal. 89. Assim, também nesta dimensão contextual, há que concluir que a interpretação normativa desaplicada pelo douto tribunal a quo se não revela violadora de quaisquer princípios constitucionais, nomeadamente do plasmado no n.º 4 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

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