TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
306 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da apreensão de bens ordenada, podendo, quem se sentir lesado no seu direito de propriedade pela apreensão ordenada, requerer ao juiz de instrução a sua modificação ou revogação; trata-se de uma clara concretização da garantia de judicialização da tutela dos direitos fundamentais, maxime do direi- to à propriedade privada, inquestionavelmente comprimido por quaisquer atos de apreensão, quer para fins de natureza probatória, quer com o intuito de assegurar o seu futuro perdimento a favor do Estado; porém, a previsão deste incidente não evita a questão de saber se o artigo 32.º, n.º 4, da Constituição impõe uma reserva antecipada de intervenção do juiz; apesar da estreita relação que apre- sentam, o certo é que reserva de juiz e jurisdição não se confundem; enquanto a garantia jurisdicional é assegurada, por via de regra, num momento subsequente ao ato de ingerência no direito, a reserva de juiz é exercida em momento anterior; a Constituição não impõe, porém, que em todos os momentos do exercício da função jurisdicional tenha de ser um tribunal a dizer a primeira palavra. XIII - À interceção de interesses constitucionalmente relevantes a justificar a intervenção preventiva do juiz de instrução contrapõe-se, todavia, um outro interesse igualmente tutelado pela Constituição: a estru- tura acusatória do processo criminal que «significa, no plano material, a distinção entre instrução, acusação e julgamento; no plano subjetivo, significa a diferenciação entre juiz de instrução (órgão de instrução) e juiz julgador (órgão julgador) e entre ambos e órgão acusador»; a reserva de juiz repre- senta também um instrumento de realização imediata do princípio da separação de poderes; cabe ao juiz de instrução a função de garantir os direitos fundamentais, porém, não lhe cabe concorrer com as funções do Ministério Público no inquérito; a reserva de juiz comprime a reserva do Ministério Público na direção do inquérito, porém, uma tal compressão só encontra justificação na medida do necessário para a proteção efetiva dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. XIV - A inovação introduzida com o artigo 178.º do CPP representou uma relevante concretização da tutela jurisdicional dos direitos individuais no âmbito do inquérito criminal; uma tutela que por ser assegu- rada através de um procedimento específico com estabelecimento de contraditório e regulado tendo em vista a prolação de uma decisão independente, se aproxima mais da dimensão orgânico-funcional de jurisdição do que da mera autorização ou validação judicial de uma medida de investigação res- tritiva de direitos; não se crê que a previsão de um tal incidente introduza um desequilíbrio relevante na divisão de competências no inquérito, concluindo-se que a configuração constitucional dos papéis conferidos ao Juiz e ao Ministério Público em processo penal, na conjugação do princípio do acusa- tório com a reserva de juiz na defesa dos direitos fundamentais na fase de inquérito, não se afigura desrespeitada pela solução legal contida no artigo 178.º, n.º 7, do CPP. XV- A medida legislativa em análise, ao atribuir ao Ministério Público competência para apreender no inquérito os bens que possam vir a ser declarados perdidos a favor do Estado, designadamente por terem origem criminosa, não desrespeita a reserva de juiz prevista no artigo 32.º, n.º 4, da Constitui- ção, desde logo, por a apreensão provisória de bens não configurar uma ingerência grave no direito de propriedade; trata-se de uma medida provisória, que, no essencial, abrange apenas uma dimensão daquele direito, designadamente a liberdade de dispor; destinando-se a garantir uma eventual futura perda para o Estado de bens com origem ilícita, a apreensão basta-se com afirmação da indiciação de ser criminosa a sua proveniência, a qual, na fase de inquérito, é competência específica do Ministério Público; finalmente, o titular do direito de propriedade pode tomar conhecimento da apreensão logo que esta é executada, podendo de imediato (e mesmo ainda durante a fase de inquérito) dirigir-se ao juiz para reclamar a respetiva revogação.
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