TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

305 acórdão n.º 387/19 VIII - A norma em análise evidencia a existência de uma correlação perfeita entre a medida de apreensão do bem que aparenta ter origem criminosa e o fim de interesse público que se visa assegurar e que consiste na garantia da futura declaração de perdimento para o Estado de um bem cuja origem se compro- vou ser criminosa; a apreensão sob análise, constituindo um ato preordenado à perda, não depende de qualquer apreciação de mérito relativa à sua adequação ou necessidade, impõe-se pela afirmação inequívoca da indiciação do ato criminoso, designadamente na acusação e a dedução desta constitui competência do Ministério Público, sendo diferente da decisão que decide ordenar a perda das vanta- gens, a qual exige a prova de que as mesmas foram obtidas como resultado do ato ilícito, e distingue- -se, igualmente do arresto preventivo o qual, por ser mais agressivo para os direitos individuais – já que pode abranger todo o património do arguido –, apresenta pressupostos de aplicação mais apertados, exigindo-se, aí sim, que o juiz aprecie a bondade da restrição. IX - O princípio da presunção da inocência impede a imposição de verdadeiras penas a título de medidas cautelares, mas não impede a imposição de medidas cautelares limitadas às estritas necessidades que com elas se visam satisfazer, isto é, que se apresentem como adequadas e proporcionadas a prevenir perigos, designadamente o perigo de ineficácia da sentença penal; a apreensão que visa acautelar a possibilidade de futura perda, não se confunde com a declaração de perdimento; apreensão e perda não têm nem dimensão nem efeitos semelhantes, pelo que não podem ser vistas como equivalentes, não havendo antecipação de um quadro de efeitos semelhantes aos da perda que só a sentença pode decretar; assegurada a conformidade entre a medida cautelar imposta e os fins que procura atingir, não existe impedimento constitucional à medida provisória de apreensão baseada na indiciação de factos criminosos; a declaração de perdimento é sempre da competência de um juiz, sendo também sempre um juiz que tem a competência para decidir todas as questões que o visado venha a colocar na sequência da apreensão. X - Mesmo a admitir-se a verificação de uma restrição do direito de propriedade pela medida contida no artigo 178.º, n.º 1, do CPP, ela pode à partida ser justificada pelo interesse público de realização da justiça; ao fundamento político-criminal do regime da perda de vantagens acresce, num Estado de direito, o reconhecimento da necessidade de restauração da ordem patrimonial dos bens corres- pondente ao direito vigente, independentemente da verificação de dano individual para alguém, não sendo possível afirmar que o condicionamento decorrente da apreensão da propriedade implicado na norma atinja qualquer dimensão do direito de propriedade que se mostre indispensável a conceço do direito de propriedade como garantia de «espaço de autonomia pessoal», ou «essencial a realização do Homem como pessoa». XI - A questão essencial que constitui o objeto do presente recurso é a de saber se a norma que resulta da conju- gação dos n. os 1 e 3 do artigo 178.º do CPP, ao deferir aoMinistério Público a competência para, no âmbito do inquérito criminal, ordenar a apreensão de objetos tendo em vista a sua futura perda para o Estado, viola a garantia constitucional inserta no artigo 32.º, n.º 4, da Constituição; embora a Constituição não defina onde começa a instrução, a aplicação do princípio contido no n.º 4 do artigo 32.º da Constituição às fases que antecedem a fase de instrução do processo penal tem sido acolhida pela doutrina e jurisprudência constitucionais para todas as situações em que haja afetação de direitos fundamentais. XII - No que respeita concretamente à norma em análise, a competência do Ministério Público para apreender bens no inquérito, tendo em vista a sua perda, não afasta necessariamente o juiz do destino

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