TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
304 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ser devolvidos ao seu titular logo que deixem de ser necessários para a prova, no segundo só são devol- vidos se não forem declarados perdidos para o Estado pela sentença que julgue o caso. III - As diferenças identificáveis na apreensão como meio de prova e na apreensão como garantia da efeti- vação da decisão de perda não conhecem reflexo no regime jurídico estabelecido no CPP; este é defi- nido de forma uniforme ao nível da entidade competente para ordenar a apreensão – a competência é sempre da autoridade judiciária – artigo 178.º, n.º 3, podendo colocar-se a questão sobre se esse facto implica um diferente enquadramento da restrição do direito fundamental por elas atingido. IV - Do ponto de vista do titular do bem apreendido, enquanto vigorar a apreensão, o grau e a dimensão da afetação do seu direito de propriedade sobre o bem são potencialmente os mesmos na apreensão para prova e na apreensão preordenada à perda; sendo inegável a dupla natureza da apreensão em sede processual penal, certo é que o Tribunal Constitucional, colocado perante a mesma questão jurídico- -constitucional agora suscitada e suportada pelas mesmas disposições e normas jurídicas, entendeu que as apreensões, quando autorizadas ou ordenadas pela autoridade judiciária não podem deixar de considerar-se um limite imanente ao direito de propriedade, daí se extraindo a sua completa confor- midade com a garantia constitucional. V - Assim, a tese sustentada pela decisão recorrida, no sentido de a norma contida no artigo 178.º, n.º 1, do CPP, na dimensão reportada à apreensão de objetos que constituam lucro, preço ou recompensa do crime, configurar uma restrição de um direito fundamental por afetar o direito de transmissão que constitui uma componente do direito de propriedade protegido pela garantia constitucional prevista no artigo 62.º, n.º 1, da Constituição não encontra acolhimento na jurisprudência do Tribunal Cons- titucional; não se ignora que, em algumas decisões, o Tribunal classificou já como restrição ao direito de propriedade privada as medidas de arresto ou de apreensão de bens no inquérito, porém, apesar de reconhecer que as medidas legislativas eram restritivas, o Tribunal bastou-se com a identificação de uma finalidade de interesse público amplamente reconhecido, como a realização da justiça, para as justificar à luz da Constituição. VI - Embora seja possível identificar a apreensão objeto do presente processo – que incide exclusivamente sobre bens imóveis – como uma verdadeira e própria restrição ao direito de propriedade, designada- mente pela limitação verificada na liberdade de dispor, a compreensão dos direitos fundamentais pró- pria de um Estado de direito não se compadece com a inclusão no âmbito da garantia constitucional de qualquer proteção ao ilícito penal; para além disso, trata-se de uma restrição temporária (só vale enquanto a apreensão não for levantada ou convertida em confisco), limitada (tende a abranger apenas uma parcela do património) e parcial (ao contrário do confisco a apreensão não implica uma transfe- rência definitiva da propriedade da coisa para o Estado); embora exista um potencial de agressão e de consequências nefastas, a afetação do direito fundamental em causa não será muito intensa. VII - A apreensão veiculada pela norma em análise visa garantir a real eficácia da decisão jurisdicional ulte- rior a cuja sorte está inevitavelmente ligada e, como é próprio das medidas cautelares, esta apreensão tem um papel instrumental; a norma dirige-se aos instrumentos, produtos ou vantagens do crime que se encontrem na posse do arguido ou de terceiro; a titularidade de produtos ou vantagens do crime, representando um ilícito penal material, não pode encontrar proteção na Constituição, designada- mente no seu artigo 62.º
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=