TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

298 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Estas dúvidas – sobre as quais o recorrente constrói o seu argumentário de desconfiança da imparcia- lidade do julgador (cfr. conclusões XXVII, XXXI e XLI, transcritas no item 1.4.2., supra ) –, apresentam, todavia – a qualquer luz –, uma assinalável componente especulativa, pouco consistente com um juízo que se queira estritamente objetivo [recorda-se que o TEDH entende, sublinhando-o em todas as decisões deste tipo de situações, que “[…] a imparcialidade pessoal de um magistrado se presume, até prova do contrário vide, por exemplo, Padovani c. Itália […])”, ponto 49 do acórdão Pereira da Silva ]. Decorre esse caráter (especulativo), da referenciação, enquanto argumento, do que poderá estar no subconsciente dos juízes intervenientes (fala o recorrente do “foro íntimo e intelectual (mesmo na ‘mente inconsciente’), como elemento indutor de um sentido previamente “anunciado” da decisão sobre os pressupostos do recurso de uniformização de jurisprudência, esquecendo a força antagonista (de tentações espúrias) inerente à dimensão deontológica do ato de julgar. No entanto, e desde logo, se se trata de especular com motivações psicológicas do ato de julgar, existem mais motivações abstratamente convocáveis, além da “defesa” à outrance de uma decisão anterior, evitando, contra o poder de dados objetivos, a sindicância desta. Seja como for, estamos perante construções argumentais cuja projeção decisória parece mais adequada a um tipo de julgamento (próprio de um amparo) alargado à ponderação das concretas incidências de facto da causa, como fatores determinantes do sentido da decisão. Ora, este tipo de abordagem judicial, corres- pondendo claramente ao sentido decisório dos pronunciamentos do TEDH [cfr. os elementos indutores da dimensão fáctica do julgamento deste, presentes nos artigos 46.º (b) , 54.º, n.º 2, alínea a) , 58.º e 59.º, n. os  1, e 74.º, n.º 1, alínea f ) , do Regulamento do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos], não se adapta à natureza normativa do controlo incidental exercido pelo Tribunal Constitucional, que gera pronunciamen- tos de incompatibilidade com a Constituição que fulminam, no controlo concreto, normas e interpretações normativas operantes numa determinada causa, em todas as suas potencialidades e fora de um quadro cau- salmente modelado pelas incidência de elementos factuais casuísticos [veja-se, evidenciando esta asserção de dissemelhança de abordagens entre o TEDH e o Tribunal Constitucional, a expressão do sentido decisório presente nos pontos 45 e 46 do acórdão, de 16 de janeiro de 2007, do TEDH (queixa n.º 2065/03) proferido no caso Warsicka c. Polónia , referido ao mesmo tipo de problemática aqui em causa]. 2.3.2. Por outro lado, não se prefigura um paralelismo entre a hipótese sobre a qual versam os presentes autos e a que foi apreciada pelo TEDH em 2016 no acórdão Pereira da Silva , paralelismo que, eventual- mente, poderia reclamar igual juízo de censura sobre a norma em análise. Há, no caso presente, mais disse- melhanças juridicamente relevantes do que pontos de contacto com o “caso” apreciado pelo TEDH. Na hipótese subjacente ao caso Pereira da Silva c. Portugal , estava em causa um processo (jurisdicio- nal) de impugnação de decisão (administrativa) do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo (STA), agindo na qualidade de Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Tratava-se de um pedido de anulação de atos administrativos, cujo mérito foi apreciado por acórdão proferido em 13 de novembro de 2002, pelo STA, atuando como tribunal de primeira instância. Seguiram-se-lhe duas decisões sobre incidentes pós-decisórios. O aí recorrente interpôs recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA, que, atuando como tribunal de recurso (ou seja, em segundo grau de jurisdição), lhe negou provimento, por acórdão de 17 de outubro de 2006, a que se seguiram incidentes pós-decisórios. Na sequência da segunda decisão, o ali Autor invocou, então, a oposição de acórdãos como fundamento de recurso extraordinário para o Plenário do STA, mas o recurso não foi admitido, visto que, por acórdão de 4 de novembro de 2009, o Plenário do STA considerou que não existia oposição de julgados, considerando o recurso findo. O Autor arguiu a nulidade desta última decisão, arguição que foi indeferida por acórdão do Plenário do STA de 26 de maio de 2010. Dos sete juízes que subscreveram as decisões de 4 de novembro de 2009 e de 26 de maio de 2010, quatro haviam participado na decisão de 17 de novembro de 2006. Dificilmente estas circunstâncias se poderão transpor, sem mais, para uma hipótese – como é a presente – em que o ora recorrente foi autor em ação ordinária, julgada por tribunal de primeira instância, reapreciada

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