TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

296 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL falta de imparcialidade de um juiz, a ótica do acusado entra em linha de conta, mas não tem uma importância decisiva. O elemento determinante consiste em saber se as apreensões do interessado podem ter-se por objetivamente justificadas’. A dimensão subjetiva do princípio da imparcialidade tem em conta a convicção pessoal de um certo juiz numa dada ocasião. A dimensão objetiva visa assegurar que o juiz oferece garantias suficientes para excluir qualquer dúvida legítima acerca da sua imparcialidade e apurar se o juiz está em condições de proceder a um julgamento livre, para afastar qualquer receio de parcialidade. Esta dimensão justifica-se, enfim, pela confiança que os tribunais devem inspirar num Estado de Direito democrático (Piersack, cit). Na avaliação desses receios, a teoria das aparên- cias assume um papel importante, no sentido de que qualquer juiz em relação ao qual exista uma razão legítima para se duvidar da falta de imparcialidade deve ser afastado. A ênfase no que deve parecer às partes é justificada pelo TEDH com a ideia de que ‘ Justice must not only be done, it must also be seen to be done ’ (Ireneu Cabral Bar- reto, Notas para um Processo Equitativo – Análise do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem à luz da Jurisprudência da Comissão e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, Documentação e Direito Comparado, 1992, n. os 49/50, p. 114). Ora, decisivo neste ponto é saber se existe ou não um receio de não imparcialidade objetivamente justificado. Esta perspetiva é independente do comportamento pessoal do juiz, e reporta-se às funções anteriormente exercidas no mesmo processo: é em razão das funções exercidas pelo magistrado, e não da sua atitude ou das suas convicções, que se avalia da sua imparcialidade objetiva (C. Goyet, Remarques sur l’impartialité du Tribunal, Dalloz, 2001, p. 329). De facto, as dúvidas que o recorrente levanta em relação à imparcialidade de quatro dos sete juízes que julgaram o recurso de oposição de julgado dizem respeito à sua intervenção anterior no processo, nomeadamente por terem participado na anterior decisão. 4.5. Mas a verdade é que nem toda a intervenção anterior de juízes no mesmo processo constitui uma razão suficiente para se considerar existirem receios fundados de não imparcialidade desses juízes. O TEDH tem, nesse seguimento, vindo a distinguir claramente duas hipóteses: por um lado, os casos em que o juiz exerce sucessivamente, no mesmo processo, funções jurisdicionais diferentes; por outro, as situações em que um juiz exerce sucessivamente, através de recurso, as mesmas funções jurisdicionais. A primeira situação remete para a cumulação das funções de acusação, de instrução e de julgamento, ou de funções consultivas e funções jurisdicionais. OTEDH condena o exercício sucessivo de funções consultivas e jurisdicionais (assim, o caso Procola c. Luxemburgo , de 28 de setembro de 1995). No que toca ao segundo aspeto, o TEDH considera que o simples cúmulo de funções não é suficiente para comportar automaticamente a violação do artigo 6.º da CEDH. Após o caso Hauschildt c. Dinamarca , de 24 de maio de 1989, o TEDH passou a decidir que o simples facto de um juiz já ter tomado decisões anteriormente no processo não podia, só por si, justificar dúvidas em relação à sua impar- cialidade. Determinante é avaliar o papel efetivo do juiz nas suas diversas intervenções, a fim de averiguar se “as apreensões do interessado são objetivamente justificadas”. Nesse seguimento, o TEDH distingue as intervenções do juiz que à partida o não impedirão de intervir ulteriormente com independência, das que, implicando uma tomada de posição por parte do juiz, criam uma dúvida legítima quanto à sua aptidão para julgar ulteriormente de forma imparcial (Jacques Van Compernolle, op . cit ., p. 1493). Em suma: o TEDH não considera suficiente a intervenção em sede de recurso do juiz que interveio em primeira ins- tância para poder qualificar-se a intervenção posterior como objetivamente não imparcial (por exemplo, Morel c. França de 06 de junho de 2000, Warsicka c. Polónia, de 16 de janeiro de 2007). […]” (itálicos acrescentados). Não se perde de vista que, no acórdão de 22 de março de 2016, no caso Pereira da Silva c. Portugal (Queixa n.º 77050/11) – apreciando a situação subjacente ao Acórdão n.º 281/11 – o TEDH concluiu ocorrer uma violação do artigo 6.º, n.º 1, da CEDH, relativamente ao direito a um tribunal imparcial, uma vez que a for- mação competente para determinar da existência da oposição de julgados no Supremo Tribunal Administrativo (STA) integrava quatro magistrados que já tinham tido intervenção na causa, enquanto juízes da secção do contencioso administrativo do mesmo tribunal, salientando que a análise sobre a existência de uma divergência de jurisprudência não é totalmente independente daquela que incide sobre o fundo da causa.

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