TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

292 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL à revogação da sua própria decisão é suscetível de violar as garantias de imparcialidade e objetividade que devem pautar a atuação judicial. Há que notar, no entanto, que a recorrente não pode arrogar-se um direito à uniformização de jurisprudência – que constitui antes um interesse geral da comunidade inerente ao bom funcionamento dos tribunais –, mas apenas beneficiar de uma possível revogação de uma decisão judicial desfavorável por via de um mecanismo processual que assenta na con- veniência de harmonizar o entendimento jurisprudencial relativamente a uma dada questão jurídica. E, de todo o modo, não procede aqui o argumento de que o tribunal recorrido está a pronunciar-se em «causa própria», ao tomar posição sobre o seguimento do recurso interposto contra uma sua anterior decisão. Na verdade, o que está em apreciação, nessa fase procedimental, é a mera averiguação dos requisitos de admissibilidade de recurso, que não envolve a aplicação de quaisquer conceitos indeterminados, mas corresponde antes a um exercício vinculado de avaliação de elementos objetivos: a legitimidade do recorrente; a tempestividade do recurso; e, como requisito específico do recurso por oposição de julgados, a identidade da questão fundamental de direito sobre que existe divergência jurisprudencial, que pressupõe a identidade dos respetivos pressupostos de facto. […] Todas as precedentes considerações valem também para demonstrar que a norma do artigo 284.º, n.º 5, do CPPT não ofende o princípio da tutela jurisdicional efetiva. Na verdade, como se deixou entrever, não está em causa qualquer denegação do direito ao recurso, mas uma mera alteração do regime procedimental relativo à apreciação da questão preliminar da existência de oposição de julgados. Por outro lado, mesmo que se entenda que o novo regime dificulta ou elimina, na prática, a possibilidade de prosseguimento do recurso por oposição de julgados – o que carece de ser demonstrado –, importa considerar que o princípio da tutela jurisdicional efetiva não garante um ilimitado direito ao recurso. Como o Tribunal Constitucional tem frequentemente afirmado, o direito de acesso aos tribunais, mesmo na sua dimensão garantística de direito de ação, a que se reconduz o princípio da tutela jurisdicional efetiva, não impõe ao legislador ordinário que assegure sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. A existência de limitações à recorribilidade funciona como um mecanismo de racionalização do sistema judiciário e por isso se aceita que o legislador disponha de liber- dade de conformação quanto à definição dos requisitos e graus de recurso (acórdãos 125/98, 72/99 e 431/02). Um duplo grau de jurisdição está constitucionalmente consagrado unicamente no âmbito do processo penal, e ainda assim não relativamente a todas as decisões proferidas, mas em relação às decisões condenatórias do arguido e às decisões respeitantes à situação do arguido em face da privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais (acórdãos 353/91, 373/99, 387/99, 459/00, 417/03, 390/04, 610/04, 104/05, 616/05, 2/06, 36/07 e 313/07; veja-se sobre estes aspetos, também, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da Repú- blica Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição revista, pág. 418; Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , Tomo I, 2005, pág. 200). O recorrente não pode invocar, por conseguinte, à luz do apontado princípio da tutela jurisdicional efetiva, um direito a um duplo grau de recurso e, muito menos, um direito à uniformização da jurisprudência, pelo que, também neste plano, a norma do artigo 284.º, n.º 5, do CPPT, mesmo com o sentido que a recorrente lhe atribui, não gera qual- quer incompatibilidade com a lei constitucional. […]” (itálicos acrescentados). Posteriormente, no Acórdão n.º 281/11, decidiu-se pela não inconstitucionalidade da norma contida no artigo 23.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 229/96, de 29 de novembro, quando inter- pretado no sentido de que, na formação do tribunal que julga os recursos por oposição de julgados, possa haver intervenção dos juízes que intervieram no acórdão-recorrido ou no acórdão-fundamento. Assentou tal decisão, designadamente, nos fundamentos seguintes:

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