TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

286 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e não podem “diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”. XLIV – As condicionantes para o direito ao recurso têm de emergir como naturais, e sempre motivadas em finalidades de sensato aperfeiçoamento do sistema, impondo-se por si próprias a qualquer homem médio, e nunca devem ter como fundamento razões meramente economicistas ou de estratégia corporativista, sejam de que natureza forem, pois nesses casos não são legítimas, degenerando todos aqueles princípios. XLV – A adoção de circunstâncias limitadoras ilegítimas é um caminho fácil para se atingirem determinados objeti- vos, mas tal atitude apenas revela manifesta incapacidade de solução de problemas por vias inteligentes, sendo certo que a visão da violação dos princípios, com a devida sensibilidade, levará necessariamente à perspicácia para outras vias, e com pleno respeito da harmonia da lei, mormente a Fundamental. XLVI – Porém, mesmo que certas circunstâncias limitadoras sejam impostas indevidamente, por razões casuísticas, estranhas ao sistema, não pode, simultaneamente, colocar-se a apreciação de tais circunstâncias na mão de quem, por exemplo, por ter sido autor singular ou em Conferência, da decisão sobre a qual incide a limita- ção, não reúne condições de imparcialidade para o efeito, pois nesse caso somam-se duas ilegitimidades: a da limitação e a da ausência de imparcialidade objetiva de quem a vai apreciar. XLVII – Ao menos, em tais situações de limitações já de si ilegítimas, que se disponha no sentido de a avaliação caber a uma entidade ou órgão sem qualquer ligação funcional ao caso concreto, que dê as normais e mínimas garantias de imparcialidade ou, como proposto pela doutrina, que a distribuição a um relator seja feita logo que interposto o recurso. XLVIII – O modelo em causa neste recurso, face à incumbência dos Tribunais para, com soberania, administrar[em] a justiça em nome do povo e assegurar[em] a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cida- dãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados (artigo 202.º, nos 1 e 2, da Constituição), viola gravemente os direitos do acesso à justiça e a um processo justo e equitativo, ambos na dimensão normativa extraída dos nos 1, 4 e 5 do artigo 20.º da CRP e do n.º 1 do artigo 6.º da CEDH. XLIX – É, na realidade, inconcebível, na lógica do sistema de recursos do Código de Processo Civil, uma solução que proponha para uma situação de oposição de julgados, um controle interesseiro e ilusório, com decisão irre- corrível dos próprios autores das decisões recorridas, instintivamente interessados na defesa das suas posições e acanhados em submeterem essas posições ao conhecimento e controle de umTribunal Pleno, esse sim, capaz de dar uma resposta que seja plenamente satisfatória da garantia do direito ao recurso. L – Com efeito, sendo invocada oposição de julgados da decisão proferida na instância de recurso, que, a ter-se verificada, poria em causa a subsistência da decisão com consequências fundamentais, em especial para a dignidade do direito, não se admitir qualquer possibilidade de análise por um Tribunal diferente do recorri- do, ou, pelo menos de composição mais alargada, possibilitando-se apenas a reclamação para a Conferência autora do vício assacado, denega, violenta e injustamente, o direito ao recurso. LI – Em suma, uma Conferência que confirme e mantenha uma decisão de recusa de um recurso com uma con- duta contrária a jurisprudência unânime, não pode, por decisão própria e irrecorrível, furtar-se à apreciação dessa conduta por outro órgão, sobretudo quando essa mesma conduta pode ser, ao mesmo tempo, uma mancha no prestígio do nosso mais Alto Tribunal e um grave desvio do tratamento de igualdade que as pes- soas merecem. LII – Por isso, as razões que em última análise justificam o direito ao recurso, e a garantia de uma análise imparcial não são satisfeitas, nas vertentes assinaladas –‘assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos’, ‘…mediante processo equitativo” e ‘por um tribunal independente e imparcial…’ –, com o sistema que resulta do Código de Processo Civil, em concreto, do seu artigo 692.º, n.º 1, no segmento ‘não exista a oposição que lhe serve de fundamento’, e dos n. os 3 e 4 da mesma norma. LIII – Não estamos, no caso concreto dos citados normativos, apenas perante regras relativas às condições de exer- cício do direito ao recurso; não, estão em causa vertentes normativas essenciais para, no respeito pelos princí- pios enunciados no requerimento de recurso, se potenciarem reflexos garantidos pela Lei Fundamental para

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