TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
283 acórdão n.º 386/19 XI – Para o efeito, não basta a garantia da dimensão subjetiva, relevando, também, e cada vez mais com acrescido reforço, uma perspetiva objetiva: ‘ justice must not only be done; it must also be seen to be done’ – a justiça não terá apenas de ser feita; terá de ser vista a ser feita. XII – Na perspetiva objetiva em que são relevantes as aparências, intervêm, por regra, considerações de caráter orgâ- nico e funcional ( v . g ., a não cumulação de funções em fases distintas de um mesmo processo), mas também todas as posições com relevância estrutural ou externa, que de um ponto de vista do destinatário da decisão possam fazer suscitar dúvidas, provocando o receio, objetivamente justificado, quanto ao risco da existência de algum elemento, prejuízo ou preconceito que possa ser negativamente considerado contra si. XIII – E devem ser igualmente consideradas outras posições relativas que possam, por si mesmas e independente- mente do plano subjetivo do foro íntimo do juiz, fazer suscitar dúvidas, receio ou apreensão, razoavelmente fundadas pelo lado relevante das aparências, sobre a imparcialidade do juiz, estando a construção conceptual da imparcialidade objetiva em concordância com a conceção moderna da função de julgar, e com o reforço da legitimidade interna e externa do juiz nas sociedades democráticas de direito. XIV – De entre as considerações de caráter orgânico e funcional ( v . g ., a não cumulação de funções em fases distintas de um mesmo processo), e das posições com relevância estrutural ou externa, que de um ponto de vista do destinatário da decisão possam fazer suscitar dúvidas, provocando o receio, objetivamente justificado, eviden- ciam-se as derivadas da função jurisdicional em intervenções processuais anteriores que, pelo seu conteúdo e âmbito, sejam de considerar como razão impeditiva de futura intervenção. XV – O envolvimento do juiz no processo, através da sua direta intervenção enquanto julgador, através da tomada de decisões, implica sempre a formação de juízos e convicções, sendo suscetível de o condicionar em futuras decisões, assim afetando a sua imparcialidade objetiva. XVI – A forma mais flagrante e ostensiva de um juiz ter prévia relação com o objeto a decidir é já ter decidido o recurso ordinário de revista (e a eventual arguição de nulidades) de onde provêm as oposições de julgados que a seguir, em recurso extraordinário, se suscitam ao Tribunal Pleno. XVII – E, contudo, quanto ao recurso para uniformização de jurisprudência, no artigo 692.º, n. os 1, 3 e 4, permite-se ou entende-se que é o relator, e eventualmente a Conferência, composta pelos mesmos autores e subscritores da decisão recorrida, que alegadamente cometeu a contradição de julgado, a fazer a apreciação liminar do novo recurso, incluindo sobre a inexistência da oposição invocada como fundamento ou ocorra a situação prevista no n.º 3 do artigo 688.º, o que se traduz na adoção de uma solução desrazoável e arbitrária, substan- cialmente limitativa e intolerável do direito ao recurso, e sem o mínimo respeito pelo direito a um processo justo e equitativo. XVIII – A razão essencial é que o Tribunal a quo, quanto ao recurso extraordinário, funciona em dois momentos deci- sivos, como Tribunal ad quem (quase como se fosse em causa própria), o que é não só inconcebível, como é, de facto, gravemente violador da Constituição, pois o mesmo Tribunal não pode ter poderes para decidir de mérito (em última instância, note-se) e, ao mesmo tempo, para comandar, de forma irrecorrível, o acesso a recurso extraordinário das suas próprias decisões, com mais que previsível influência sobre o êxito ou inêxito da demanda. XIX – O regime agora instituído prevê que seja o ‘processo concluso ao relator para exame preliminar…’ e que ‘da decisão do relator pode o recorrente reclamar para a conferência’, cujo acórdão, no sentido da rejeição, é irrecorrível: 4 -O acórdão da conferência previsto no número anterior é irrecorrível, sem prejuízo de o pleno das secções cíveis, ao julgar o recurso, poder decidir em sentido contrário. XX – Um tal regime, com a interpretação linear, de ser o mesmo relator da decisão recorrida a decidir a fase de admissão de um recurso para uniformização de jurisprudência, e bem assim a de ser aquele mesmo relator, juntamente com dois adjuntos, a integrarem a Conferência para apreciação, relativamente às suas próprias decisões, da ‘verificação dos pressupostos do recurso, incluindo a contradição invocada como seu fundamen- to’ – n.º 3 do artigo citado artigo 692.º –, é, de facto, inconstitucional. XXI – Considerando as características e a natureza jurídica do recurso para uniformização de jurisprudência, pre- visto para ‘quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro
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