TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

282 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL …e rematou as alegações – através de 58 conclusões – conforme ora se transcreve: “[…] I – O artigo 20.º, n. os 1 e 4, da CRP e o artigo 6.º, n.º 1, da CEDH prescrevem que “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos…”, “…mediante processo equitativo” e “por um tribunal independente e imparcial…”. II – Nestas normas, conjugadas, essencialmente, com as dos artigos 202.º e 203.º da CRP, contempla-se, neces- sariamente, o direito ao recurso, em qualquer área do direito onde sejam proferidas decisões que afetem “direitos e interesses legalmente protegidos” das pessoas. III – Para o efeito, são imprescindíveis instrumentos processuais próprios (ou por aplicação subsidiária), que cons- tituem o chamado “direito adjetivo” e que, como leis instrumentais para o exercício de direitos, têm também de se subordinar e respeitar plenamente os comandos constitucionais, nacionais ou adquiridos por integração (artigo 8.º da CRP). IV – Logo, não se pode interpretar qualquer instituto processual dissociado do conteúdo axiológico-normativo dos princípios constitucionais que regem a sua aplicação, antes se deve buscar a outorga de concretude aos direitos e garantias fundamentais estabelecidos constitucionalmente. V – Sem a indicada subordinação, na sua plenitude e coerência, das regras processuais às normas e princípios constitucionais, é manifesto e notório que as pessoas não alcançam a concretização dos seus direitos, ou ficam deveras vulneráveis, enfrentando obstáculos de difícil transposição, adredemente criados com fins opacos e contrários aos legítimos fins que das regras processuais se esperam. VI – Em especial, das regras processuais: i) devem decorrer, implicitamente, exigências impreteríveis que sejam um direto corolário da ideia de Estado de direito democrático, com vista ao alcance de um due process of law na resolução dos litígios; ii) que na conformação do processo reflitam os princípios que estruturam todo o sistema da Constituição, mas elegendo-se, naturalmente, o princípio constitucional da garantia do processo justo ou equitativo como aquele que mais intensamente deve vincular as escolhas do legislador; iii) de toda a referida conformação deve resultar num processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais; iv) apesar da liberdade de conformação do legislador na concreta estruturação do processo, a mesma impõe, antes de mais, que as normas processuais proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos; v) não sendo o direito ao recurso um direito absoluto, irrestringível, mas sim cujo preciso conteúdo pode ser traçado, pelo legislador ordinário, com maior ou menor amplitude, ao legislador ordinário deve estar vedado, além de abolir o sistema de recursos in totum , afetá-lo substancialmente nem adotar soluções des- razoáveis, desproporcionadas ou discriminatórias. VII – Além da exigência da conformação das regras processuais nos termos expostos, são pressupostos essenciais (alguma doutrina chama-lhes mesmo pressupostos processuais, tal como a validade da citação, a capacidade da parte ou a competência) a independência e a imparcialidade do Tribunal, como emanam do artigo 20.º, n.º 1, da CRP e do artigo 6.º, n.º 1, da CEDH. VIII – Para que haja um julgamento independente e imparcial, necessário é que o juiz que a ele proceda possa julgar com independência e imparcialidade, para o que é necessário existir um quadro legal que as “promova”, de modo que os julgamentos surjam aos olhos do público como julgamentos objetivos e imparciais. IX – Quando a imparcialidade do juiz ou a confiança do público nessa imparcialidade é justificadamente posta em causa, o juiz não está em condições de “administrar justiça”, e nesse caso não deve poder intervir no processo, antes deve ser pela lei impedido de funcionar – deve poder ser declarado iudex inhabilis. X – É que a confiança da comunidade nas decisões dos seus magistrados é essencial para que os tribunais, ao ‘administrar a justiça’, atuem, de facto, ‘em nome do povo’ (cfr. artigo 205.º, n.º 1, da Constituição)».

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