TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

253 acórdão n.º 365/19 tribunal competente em razão da matéria é a da apresentação a juízo do processo de impugnação de coima pelo Ministério Público», independentemente do momento da prática do ilícito. A reforma introduzida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, que passou pela revisão, entre outros diplomas, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, foi levada a cabo no uso da auto- rização legislativa concedida pela Lei n.º 100/2015, de 19 de agosto, diploma que, por sua vez, teve origem na Proposta de Lei n.º 331/XII. De acordo com a Exposição de Motivos que acompanhou tal Proposta, a reconfiguração da competência da jurisdição administrativa resultante da alteração introduzida no artigo 4.º, n.º 1, alínea l), do ETAF foi presidida pela ideia de que o «quadro legislativo deve[ria] evoluir no sentido de atribuir aos tribunais admi- nistrativos a competência para julgar os litígios que, pela sua natureza, têm por objeto verdadeiras relações jurídico-administrativas», em particular os litígios emergentes da «impugnação de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo». Fundada neste critério geral e abstrato – isto, é no critério segundo o qual, em virtude da natureza dos factos subjacentes à imputação de responsabilidade contraordenacional por violação de normas de direito urbanístico, a jurisdição administrativa se encontra mais habilitada do que a jurisdição comum para o julga- mento dos recursos de impugnação das decisões administrativas sancionatórias —, a nova redação conferida alínea l) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF veio transferir essa competência para os tribunais administrativos, tendo-o feito com alcance simultaneamente prospetivo e retrospetivo: segundo resulta da conjugação dis- posto no artigo 4.º, n.º 1, alínea l) , do ETAF, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, com o previsto no artigo 62.º, n.º 1, do RGCO, na interpretação cuja aplicação foi recusada na decisão recorrida, os tribunais administrativos passaram a ser competentes para a apreciação de todas as impugnações judiciais de todas decisões administrativas aplicativas de coima por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo cuja apresentação pelo Ministério Público em juízo haja ocorrido em momento posterior à entrada em vigor da norma atributiva de competência – isto é, de acordo com o artigo 15.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, a 1 de setembro de 2016 —, independentemente de o facto ilícito em discussão ter sido praticado antes ou depois daquela data. 17. No âmbito das normas determinativas da competência, a doutrina recorre à distinção entre dispo- sições exclusivamente retroativas e disposições também retroativas: ao passo que as segundas «não visa[m] apenas o passado, mas abrange[m] também o passado, para além da sua vocação prospetiva, inerente a qual- quer norma», as primeiras incidem apenas sobre factos pretéritos (cfr. Miguel Nogueira de Brito, loc . cit ., p. 33), diferença esta que, perante a proibição de uma justiça ad hoc ou de exceção, inerente à garantia do juiz natural, está longe de poder ser considerada irrelevante. É que, enquanto as normas de competência simultaneamente retroativas e prospetivas, na medida em que se aplicam indiferenciadamente a factos passados e futuros de igual natureza, muito dificilmente poderão ser qualificadas como normas de «definição individual (e portanto arbitrária) da competência» (Figueiredo Dias, loc . cit ., p. 86), já as segundas confrontam-se com o problema de saber se, ao incidirem exclusivamente sobre situações pretéritas, continuam a poder beneficiar da característica de abstração que, juntamente com a da generalidade, assegura, em regra, a compatibilidade de qualquer critério determinativo da competência compatível com a garantia do juiz natural (neste sentido, vide Miguel Nogueira de Brito, loc . cit ., p. 33). Ora, ao atribuir competência à jurisdição administrativa para o julgamento de todos os recursos de impugnação de toda e qualquer decisão aplicativa de coima abrangida pelo disposto na alínea l) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF que sejam apresentados pelo Ministério Público ao juiz após 1 de setembro de 2016, a norma sindicada abrange, à partida, não apenas um número indeterminado e indeterminável de sujei- tos, como, relativamente a factos pretéritos, todos aqueles, mas somente aqueles, que forem identificáveis segundo um certa categoria: no caso, a autoria, lato sensu , de atos contraordenacionalmente relevantes no âmbito da violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo.

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