TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

252 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL hoc , de exceção, de um certo tribunal para uma certa causa», pode afirmar-se, uma vez mais com Figueiredo Dias, que o mesmo «não obsta a que uma causa penal venha a ser apreciada por tribunal diferente do que para ela era competente ao tempo da prática do facto que constitui objeto do processo; só obsta a tal quando, mas também sempre que, a atribuição de competência seja feita através da criação de um juízo ad hoc (isto é: de exceção), ou da definição individual (e portanto arbitrária) da competência, ou do desaforamento con- creto (e portanto discricionário) de uma certa causa penal, ou por qualquer forma discriminatória que lese ou ponha em perigo o direito dos cidadãos a uma justiça penal independente e imparcial» ( loc . cit ., pp. 84 e 86). Na doutrina, tal conclusão é partilhada ainda por Germano Marques da Silva. Partindo igualmente da ideia de que a função da garantia do juiz natural ou legal é a «de evitar a desig- nação arbitrária de um juiz ou tribunal para resolver um caso determinado» e que tal desiderato se alcança através da existência de «normas, tanto orgânicas como processuais», que contenham regras suscetíveis de permitir «determinar o tribunal que há de intervir em cada caso em atenção a critérios objetivos», o referido autor reconhece, porém, que a «exigência de anterioridade da lei que fixa a competência», não podendo ter um significado que ponha em causa a viabilidade de «qualquer reforma da organização judiciária», há de ser perspetivada em estrita consonância com a função de garante da «imparcialidade dos juízes e dos tribunais» que ao referido princípio deve ser reconhecida, daqui decorrendo que o resultado que através dessa exigência se proíbe não é que «a causa venha a ser submetida a tribunais diferentes dos que para ela eram competentes ao tempo da prática do facto que constitui o objeto do processo, mas apenas que em razão daquela causa ou da categoria de causas a que ela pertence, sejam criados post factum tribunais de exceção», através da «defi- nição individual da competência, ou do desaforamento discricionário de uma certa causa, ou por qualquer outra forma discricionária que ponha em perigo o direito dos cidadãos a uma justiça penal independente e imparcial» ( Curso de Processo Penal , volume I, Lisboa, Editorial Verbo, 2008, pp. 55-56). 15. Totalmente em linha com a orientação doutrinal que se acabou de dar nota, o Tribunal Constitucio- nal alcançou, em matéria de «proibição da “retroatividade” da determinação do tribunal penal competente» (Figueiredo Dias, loc . cit ., p. 85), a mesma exata conclusão. Para além das indicações extraíveis já da fundamentação seguida nos Acórdãos n. os  393/89 e 212/91, fê-lo, com particular ênfase, no Acórdão n.º 614/03, aresto no qual afirmou o seguinte: «Como tem sido salientado na nossa doutrina e resulta igualmente da jurisprudência constitucional referida, o princípio do juiz natural não pode, porém, proibir nem a alteração legal da organização judiciária – incluindo da competência para conhecer de determinados processos –, nem a possibilidade de aplicação imediata destas alterações, embora os processos concretos possam, assim, vir a ser apreciados por um tribunal diverso daquele que resultaria das regras em vigor no momento da prática do facto em questão. Esta alteração, quer de regras legais, quer de regras de procedimento para a divisão interna de processos, pode impor-se por acontecimentos ou circunstâncias que não podem ser descritas previamente de forma esgotante, podendo valer mesmo para processos já pendentes. Ponto é, porém, que o novo regime – ou a revogação, e não apenas derrogação, para um caso concreto, do anterior – valha em geral, abrangendo um número indeterminado de processos futuros, e não exprima razões discriminatórias ou arbitrárias, que permitam afirmar que se está perante uma constituição ou determinação ad hoc da formação judiciária em causa (neste sentido, além da citada jurisprudência constitucional alemã e italiana, por exemplo Chr. Degenhart, comentário 12 ao artigo 101.º da Lei Fundamental, in Michael Sachs , Grundgesetz – Kommentar , 2.ª edição, Mün- chen, 1999, p. 1822). Será o caso se tal alteração for justificada por imperativos de realização da justiça.» 16. Determinado o sentido do princípio do juiz natural na sua dimensão negativa de proibição de desafo- ramento, cabe agora verificar se o mesmo é afetado, de alguma forma, pela norma extraída «da conjugação do disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea l) , do ETAF, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, com o previsto no artigo 62.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações, na redação con- ferida pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de setembro, no sentido de que a data que releva para determinar o

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