TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

251 acórdão n.º 365/19 Já a dimensão negativa, expressa na ideia perpetuatio jurisdictionis , consiste – de acordo ainda o mencio- nado aresto – «na proibição de afastamento das regras referidas, num caso individual – o que configuraria uma determinação ad hoc do tribunal» –, compreendendo quer «“proibição do desaforamento” depois da atribuição do processo a um tribunal, quer a proibição de tribunais ad hoc ou ex post facto , especiais ou excecionais – a qual deve, aliás, ser relacionada também com a proibição, constante do artigo 209.º, n.º 4, da Constituição, de “existência de tribunais com competência exclusiva para o julgamento de certas categorias de crimes”, salvo os tribunais militares durante a vigência do estado de guerra (artigo 213.º da Constituição)». (*) 13. A questão de constitucionalidade que integra o objeto do recurso prende-se com a dimensão nega- tiva do princípio do juiz natural. Diz ela respeito a saber se, designadamente através da revisão da organização judiciária e respetivas atribuições, pode o legislador tornar competente para o julgamento dos recursos de impugnação no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo tribunal pertencente a jurisdição diversa daquela à qual tal competência se encon- trava atribuída pela lei em vigor à data da prática dos factos. O princípio da resposta a tal questão encontramo-lo, desde logo, no estudo levado a cabo por Figueiredo Dias, acima citado já, em especial na sua seguinte passagem: «Se bem seja certo que […] cabe no princípio [do juiz natural] uma qualquer ideia de anterioridade da fixação da competência relativamente ao facto que vai ser apreciado, não se trata nele tanto (diferentemente do que sucede com o princípio do « nullum crimen, nulla poena sine lege ») de erigir uma proibição geral e absoluta de «retroativi- dade», quanto sobretudo de impedir que motivações de ordem política ou análoga – aquilo, em suma, que com- preensivamente se pode designar pela raison d’Etat – conduzam a um tratamento jurisdicional discriminatório e, por isso mesmo, incompatível com o princípio do Estado-de-direito» ( loc . cit ., pp. 83-84). Concretizando um pouco mais tal ideia – assumida, de resto, nos recentes Acórdãos n. os  41/16 e 255/18 –, em especial no confronto com o teor literal da formulação inserta no atual n.º 9 do artigo 32.º da Cons- tituição, prossegue ainda o referido autor: «[N]o seu expresso teor literal, [tal formulação] poderá ser acusada de dizer mais, e de ter um campo de inci- dência maior do que o que verdadeiramente lhe cabe; sobretudo enquanto se poderia supor, face à sua letra, que quer inconstitucionalizar toda e qualquer atribuição de competência feita por lei que não seja anterior à prática do facto que constitui objeto do processo. […] Tenho por seguro, porém, não dever ser esse o sentido a conferir ao preceito constitucional em questão» ( loc . cit ., p. 85). Ora, é justamente nesta interpretação literal do preceito constitucional, no segmento relativo à proi- bição de desaforamento ínsita na dimensão negativa do princípio do juiz natural, que se baseia o juízo de inconstitucionalidade formulado na decisão recorrida. De acordo com o juiz a quo, o sentido último de tal proibição é o de prescrever a violação, necessária e automática, da garantia do juiz legal por toda e qualquer norma que atribua competência para a apreciação, por via de recurso, da responsabilidade contraordenacional imputada na decisão administrativa aplicativa de coima a tribunal diverso daquele que para o efeito era competente à data da prática do ilícito. Mas não é assim. 14. Se na génese do conteúdo de sentido discernível no princípio do juízo natural se encontra a ideia de preservação da independência e da imparcialidade dos tribunais (artigo 203.º da Constituição), designada- mente perante o poder político, através da «proibição de criação ou de determinação de uma competência ad

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