TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
243 acórdão n.º 365/19 in Constituição da República Portuguesa Anotada , 38 Ed revista, Coimbra Ed, 1993, pg. 205, ou, no caso das contraordenações, por remissão subsidiária dos artigos 32 e 41, ambos do RGCO, competente à data da con- traordenação. E como ensinam os mesmos Mestres constitucionalistas, [ in ob loc cit ], prosseguindo, «Juiz legal é não apenas o juiz da sentença em primeira instância, mas todos os juízes chamados a participar numa decisão (princípio dos juízes legais). A exigência constitucional vale claramente para os juízes de instrução e para os tribunais coletivos. A doutrina costuma salientar que o princípio do JUIZ legal comporta varias dimensões fundamentais: (a) exi- gência de determinabilidade, o que implica que o juiz (ou juízes) chamados a proferir decisões num caso concreto estejam previamente individualizados através de leis gerais, de uma forma o mais possível inequívoca; (b) princípio da fixação de competência, o que obriga à observância das competências decisórias legalmente atribuídas ao juiz e à aplicação dos preceitos que de forma mediata ou imediata são decisivos para a determinação do juiz da causa; (c) observância das determinações de procedimento referentes à divisão funcional interna (distribuição de processos), o que aponta para a fixação de um plano de distribuição de processos (embora esta distribuição seja uma atividade materialmente administrativa, ela conexiona-se com o princípio da administração judicial).» Como já acima se referiu, também nos termos do artigo 39, ex vi 38-1, da LOSJ, [Lei 62/2013, de 26/08, alterada e republicada pela Lei 40-A/2016, de 22/12] «nenhuma causa pode ser deslocada do tribunal ou juízo competente para outro, a não ser nos casos especialmente previstos na lei». Subjacente ao princípio do juiz natural está a existência, na esfera do cidadão/arguido, de um direito a ver o seu caso apreciado e julgado por aquele tribunal/juiz que resulta de forma isenta e segura da lei, e não outro qualquer, cuja designação não resulte da lei. Dito de outro modo, o princípio do juiz natural ou legal existe e tem garantia constitucional em nome e para salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, eventualmente arguidos em matéria criminal, e, por aplicação remissiva, também em matéria contraordenacional, e até noutros processos de tipo sancionatório. Não se trata, pois, de qualquer mera arrumação de matérias por juízes e de determinação de competência mate- rial por analogia, ou de qualquer ideia de gestão de serviços internos, com vista à mera gestão de pendências ou de estatísticas ou de preponderância de um tribunal/ juiz em relação a outro, mas sim de um direito dos cidadãos, no caso, do direito dos arguidos a ver a sua questão apreciada e decidida por um determinado tribunal/ juiz, o qual, de forma objetiva e isenta, lhe foi garantido pela lei, proibindo, assim, a possibilidade de, à margem de lei expressa, o seu caso poder ser “desaforado” e atribuído, discricionariamente, a outro qualquer tribunal/juiz. Ora, salvo o devido respeito, a decisão do Tribunal de Conflitos, de 12/04/2018, proferida nos presentes autos, que secunda o precedente entendimento do Tribunal de Conflitos, efetuou uma interpretação do artigo 4-1-l), do ETAF, na redação introduzida pelo DL 214-G/2015, de 02/10, em conjugação com o artigo 62-1, do RGCO, que viola o princípio do juiz natural ou legal, expresso no artigo 32-9, da CRP. Dito de outro modo, o artigo 4-1-1), do ETAF, na redação introduzida pelo DL 214-G/2015, de 02/10, em conjugação com o artigo 62-1, do RGCO, na interpretação efetuada e imposta no presente processo pela decisão de 09/11/2017, do Tribunal de Conflitos, viola o princípio do juiz natural ou legal, consagrado artigo 32-9, da CRP. O artigo 4-1-l), do ETAF, na redação introduzida pelo DL 214-G/2015, de 02/10, em conjugação com o artigo 62-1 do RGCO, deve ser interpretado, harmonicamente com o sistema jurídico, tendo em conta o princípio do juiz natural, no sentido de que: – A competência material criada no artigo 4-1-1), do ETAF/2015, para apreciar as impugnações judiciais nele previstas só se verifica quanto a processos cujos ilícitos CO tenham ocorrido em data posterior e não anterior, à data da entrada em vigor do mesmo artigo 4-1-1), do ETAF, ou seja, só se verifica quanto a processos CO cujos factos ilícitos tenham ocorrido em data posterior a 01/09/2016 [artigo 15, do DL 214-G/2015, de 02/10]. – A competência material criada no artigo 4-1-1), do ETAF/2015, para apreciar as impugnações judiciais nele previstas não se afere pela data em que o Ministério Público “torna os autos presentes ao juiz”, nos ter- mos do artigo 62-1, do RGCO, mas sim afere-se pela data em que o arguido praticou os factos integradores do ilícito contraordenacional.
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