TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
240 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL em estrita consonância com a função de garante da «imparcialidade dos juízes e dos tribunais» que ao referido princípio deve ser reconhecida, daqui decorrendo que o resultado que através dessa exigência se proíbe não é que «a causa venha a ser submetida a tribunais diferentes dos que para ela eram com- petentes ao tempo da prática do facto que constitui o objeto do processo, mas apenas que em razão daquela causa ou da categoria de causas a que ela pertence, sejam criados post factum tribunais de exce- ção», através da «definição individual da competência, ou do desaforamento discricionário de uma certa causa, ou por qualquer outra forma discricionária que ponha em perigo o direito dos cidadãos a uma justiça penal independente e imparcial». IV - A nova redação conferida à alínea l) do n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), fundada em critério geral e abstrato – segundo o qual, em virtude da natureza dos factos subjacentes à imputação de responsabilidade contraordenacional por violação de normas de direito urbanístico, a jurisdição administrativa se encontra mais habilitada do que a jurisdição comum para o julgamento dos recursos de impugnação das decisões administrativas sancionatórias —, veio transferir essa competência para os tribunais administrativos, tendo-o feito com alcance simultanea- mente prospetivo e retrospetivo: segundo resulta da interpretação normativa sob apreciação, os tribu- nais administrativos passaram a ser competentes para a apreciação de todas as impugnações judiciais de todas decisões administrativas aplicativas de coima por violação de normas de direito administra- tivo em matéria de urbanismo cuja apresentação pelo Ministério Público em juízo haja ocorrido em momento posterior à entrada em vigor da norma atributiva de competência – isto é, de acordo com o artigo 15.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, a 1 de setembro de 2016 –, independentemente de o facto ilícito em discussão ter sido praticado antes ou depois daquela data. V - Enquanto as normas de competência simultaneamente retroativas e prospetivas, na medida em que se aplicam indiferenciadamente a factos passados e futuros de igual natureza, muito dificilmente pode- rão ser qualificadas como normas de «definição individual (e portanto arbitrária) da competência», já as disposições exclusivamente retroativas confrontam-se com o problema de saber se, ao incidirem exclusivamente sobre situações pretéritas, continuam a poder beneficiar da característica de abstração que, juntamente com a da generalidade, assegura, em regra, a compatibilidade de qualquer critério determinativo da competência compatível com a garantia do juiz natural. VI - A norma sindicada, ao atribuir competência à jurisdição administrativa para o julgamento de todos os recursos de impugnação de toda e qualquer decisão aplicativa de coima abrangida pelo disposto na alínea l) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF que sejam apresentados pelo Ministério Público ao juiz após um 1 de setembro de 2016, abrange, à partida, não apenas um número indeterminado e indeterminável de sujei- tos, como, relativamente a factos pretéritos, todos aqueles, mas somente aqueles, que forem identificáveis segundo um certa categoria: no caso, a autoria, lato sensu , de atos contraordenacionalmente relevantes no âmbito da violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo. VII - Não se trata evidentemente aqui da derrogação seletiva, para um caso concreto ou conjunto concreto de casos, do critério determinativo de competência que vigorava à data da prática do ilícito-típico, nem tão-pouco da atribuição ou ad hoc a uma qualquer jurisdição de exceção (ou até mesmo especial) da competência para proceder ao julgamento dos recursos de impugnação de decisões administrativas aplicativas de coima por violação de normas de direito urbanístico através de atos praticados no âmbi- to da vigência da lei anterior; trata-se, outrossim, do estabelecimento de um critério, geral e abstrato, de determinação do tribunal competente para aquele efeito, fundado no momento em que tem lugar
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