TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
234 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL perversão funcional dos princípios jurídicos: destinados a tutelar direitos fundamentais, eles acabarão por ser subvertidos, adquirindo uma lógica autónoma exatamente contrária àquele fim. Por conseguinte, considero incompatível com o disposto no artigo 32.º, n. os 1 e 2, da Constituição, a interpretação das normas constantes dos artigos 103.º, n.º 2, alínea a), 104.º, n.º 2 e 411.º, n.º 1. do Código de Processo Penal, segundo a qual o prazo para interposição de recurso de sentença condenatória por arguido preso corre durante as férias judiciais. Na verdade, tal interpretação viola as garantias de defesa numa situação em que se não afigura necessário salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (artigo 18.º, n.º 2 da Constituição) e ignora a articulação, consagrada constitucionalmente, entre aquelas garantias e a celeridade processual. Maria Fernanda Palma ” – itálico nosso. 19 – No segmento da Exma Dra. Juiz Conselheira do Venerando Tribunal Constitucional, e de acordo com o seu entendimento, a não suspensão do prazo para interposição de recurso durante as férias judiciais, por força da aplicação da exceção prevista no artigo 103.º, n.º 2, a) do C.P.P. viola as garantias de defesa do arguido consagra- das constitucionalmente no artigo 32.º da CRP. E ainda vai mais longe, tal “encurtamento” do prazo de recurso é incompatível com tais garantias, mesmo perante arguidos privados da liberdade, pelo que, perfilhamos na íntegra a sua linha de pensamento. 20 – A norma do artigo 411.º, n.º 1 conjugada com os artigos 103.º, n.º 2, a) e 104.º, n.º 1 do C.P.P., inter- pretada no sentido que o prazo de interposição de recurso não se suspende durante as férias restringe direitos e garantias constitucionalmente consagradas nos artigos 20.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da C.R.P., violando assim, o artigo 18.º, n.º 2 da Constituição, o qual estipula o seguinte: “A lei só pode restringir os direitos. liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constitui- ção. devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucio- nalmente protegidos.’’ 21 – Estamos perante um artigo “… que contém os mais importantes princípios comuns aos direitos, liberda- des e garantias .”, “E daí a estrita sujeição do legislador. controlado pela justiça constitucional, aos meios e aos fins constitucionalmente estabelecidos.” – Jorge Miranda – Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada , Tomo I, pág. 152, Coimbra Editora. 22 – Temos então aqui patente um carácter restritivo das restrições, que se aflora no princípio da proporciona- lidade. Ou seja, tais restrições “só podem ser estabelecidas para proteger direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, devendo limitar-se ao necessário para os proteger” – Gomes Canotilho/Vital Moreira, in Constituição da República Anotada , 4.ª edição revista, I vol., Coimbra, pág. 479. 23 – Sendo que, só a lei (reserva de lei) o pode fazer, e nos casos expressamente previstos na Constituição. 24 – Aliás, “Mesmo quando a Constituição parece devolver para a lei a regulamentação de certos direitos ou institutos, …, o legislador não é livre de lhe emprestar qualquer conteúdo; a norma legislativa tem. na perspetiva global da Constituição, de possuir um sentido que seja conforme com o sentido objetivo da norma constitucio- nal.” – Jorge Miranda – Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada , Tomo I, pág. 152, Coimbra Editora. 25 – Pelo que, a norma constante da a) do n.º 2 do artigo 103.º conjugada com o artigo 411.º, n.º 1 do C.P.P. quando interpretada no sentido de que o prazo para interposição de recurso não se suspende durante as férias judi- ciais, embora não contenha em si mesma uma restrição de um direito ou de lima garantia, certo é que regulamenta um aspeto do exercício de um direito do arguido, mormente, o exercício do direito de defesa em processo penal – direito ao recurso –, o qual se encontra constitucionalmente consagrado. Tal regulamentação devia estar “conforme com o sentido objetivo da norma constitucional.” 26 – Ex positis , deverá entender-se que não corre em férias o prazo para interposição de recurso para o arguido que não se encontre detido ou preso aquando da prolação do acórdão condenatório. 27 – Devendo ser considerado tempestivo o recurso do arguido interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra.
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