TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

23 acórdão n.º 450/19 plena operatividade. Simplesmente, tal raciocínio, que apenas por mera cautela se antecipa, tão-pouco afastaria tudo o que se disse supra . 46. Em primeiro lugar, isso sempre implicaria uma intromissão no estatuto das autarquias locais, ainda que para subordinar a respetiva efetividade a uma atuação futura do legislador nacional. 47. Depois, há que dizer que o legislador nacional nunca estabeleceria apenas tal competência “em singelo”: fá-lo-ia no contexto de um regime jurídico de adaptação à administração local do Decreto-Lei n.º 25/2015, tor- nando então inaplicável a norma sub judice , o que confirmaria, afinal, o caráter inovador desta última. 48, Ainda que à norma objeto do presente requerimento pudesse deste ponto de vista ser apontada alguma “programaticidade”, tal não a afastaria, emtodo o caso, da noção “funcional de lei” que a jurisprudência constitucional utiliza para efeitos da fixação da noção de “norma” passível de fiscalização preventiva da constitucionalidade (cfr. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional , VI, Coimbra Editora, 2001, p. 156). 49. Saliente-se também que a norma sub judice se refere aos “trabalhadores equiparados da administração pública local” – portanto, abrangendo municípios e freguesias –, mas a deliberação da qual dependeria a atribuição do suplemento remuneratório seria reservada a órgãos municipais, o que teria um de dois resultados intoleráveis: (i) ou à partida recusaria a possibilidade de trabalhadores das freguesias terem direito a tal suplemento remuneratório, o que seria violador do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP); (ii) ou faria depender a situação jurídico- -financeira das freguesias do exercício de uma competência municipal, quando aquelas têm órgãos próprios (artigo 244.º da CRP). 50. Nos termos do Ac. TC n.º 420/18 – cuja citação abundante se nos perdoará por inteiramente justificada –, “(…) não obstante apontar a doutrina a dificuldade de se descortinar o critério que presidiu à delimitação das matérias reservadas relativamente à competência legislativa da Assembleia da República suscetíveis de delegação legislativa às Assembleias Legislativas Regionais e das matérias em que tal se mostra vedado (assim, Jorge Miranda/ Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , Tomo III, Coimbra Editora, 2007, Anotação ao artigo 228.º, p. 360 e J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4.ª edição, 2010, Anotação ao artigo 227.º, p. 667), certo é que, por referência à matéria prevista na al. q) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição (estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais), entendeu o legislador de revisão constitucional, em 2004, manter a mesma na esfera de competência legislativa dos órgãos de soberania (Assembleia da República e Governo, mediante autorização parlamentar), sem possibilidade de a respetiva norma- ção ser feita ao nível regional, mesmo com autorização. Note-se apenas que, sem prejuízo dos poderes cometidos pela Constituição às Regiões Autónomas na relação com as autarquias locais, como os poderes de criar e extinguir autarquias locais, bem como modificar a respetiva área, nos termos da lei [artigo 227.º, n.º 1, al. l) ], de exercer tutela sobre as autarquias locais [ idem , al. m) ] e de elevar povoações à categoria de vilas ou cidades [ idem, al. n) ], as matérias constitucionalmente previstas referentes às autarquias locais – como as eleições e o estatuto dos eleitos locais [artigo 164.º, alíneas l) e m) ], o regime de cria- ção, extinção e modificação das autarquias locais [artigo 164.º, al. n) ] e a respetiva criação, extinção e modificação no território continental ( idem ), o regime da elaboração e organização dos orçamentos das autarquias locais [artigo 164.º, al. r) ], o estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais [artigo 165.º, n.º 1, al. q) ], a participação das organizações de moradores no exercício do poder local [artigo 165.º, n.º 1, al. r) ] e regime e forma de criação das polícias municipais [artigo 165.º, n.º 1, al. aa) ] – mostram-se reservadas à competência legislativa da Assembleia da República, absoluta e relativa, sem possibilidade de autorização às Assembleias Legislativas Regio- nais, termos em que, por força do disposto nos artigos 227.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 228.º, n.º 1, da Constituição, o enquadramento infraconstitucional das autarquias locais – sem excecionar as autarquias locais existentes nas Regiões Autónomas – assume um caráter unitário, de âmbito nacional, decidido no plano parlamentar nacional. Esta opção do legislador constituinte (e de revisão), que se afigura decorrer da compreensão da autonomia das autarquias locais (e da sua existência) no quadro do Estado unitário (artigo 6.º, CRP) e na organização democrática do Estado (artigo 235.º, n.º 1), aponta para a igualdade estatutária das autarquias locais existentes (municípios e freguesias), diferenciando o continente e as Regiões Autónomas tão só quanto à existência das (ainda não criadas) regiões administrativas (artigo 236.º, n. os 1 e 2). No demais, as condições específicas das «ilhas» poderão determinar

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