TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
225 acórdão n.º 344/19 realizadas pelo SIRCA, nem o abate dos animais permite presumir que cada um deles possa beneficiar efetivamente de alguma dessas prestações. É que o objetivo a que está ordenado o SIRCA já se encontra assegurado pelos rigorosos procedimentos de inspeção sanitária a que estão sujeitos os estabelecimentos de abate e de desmancha de carnes, cujas regras de execução estão definidas no Regulamento (CE) n.º 854/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril. Se nas inspeções ante mortem e post mortem o vete rinário oficial não aprovar o animal para abate normal ou as carcaças não forem aprovadas para consumo humano, com a aposição da “marca de salubridade”, indicadora de que foram efetuados aqueles controlos oficiais, as carcaças ou partes delas são necessariamente encaminhados para “subprodutos” a eliminar ou transformar, conforme a categoria em que se integrem [Regulamento (CE) n.º 1069 do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de outubro de 2009]. Nesta eventualidade, não existindo no matadouro instalações de saneamento, devem os matadouros promover a recolha, transporte, armazenamento, manuseamento, trans- formação ou destruição de tais subprodutos, dirigindo-os até um centro de destruição ou aproveitamento. Na verdade, após um período em que o Estado assegurou a recolha, transporte e eliminação dos sub- produtos gerados pelos matadouros, mediante a cobrança de uma taxa, o Decreto-Lei n.º 244/2003, de 7 de outubro, transferiu para os estabelecimentos de abate e salas de desmanche a responsabilidade por tais operações, mediante a observância de determinados requisitos, nomeadamente a apresentação de um plano a aprovar pela autoridade sanitária competente. Ora, se incumbe aos matadouros, por sua própria iniciativa ou com recurso à contratação de serviços de terceiros, proceder à remoção e destruição dos subprodutos que geram, bem como custear as respetivas despesas, não existe probabilidade de aproveitamento de quaisquer das prestações que integram o SIRCA. A apresentação de um animal para abate – a base de incidência obje- tiva da contribuição – não permite presumir que os matadouros aproveitam coletivamente quaisquer das prestações associadas ao SIRCA, pelo simples motivo que eles próprios estão obrigados a executar as mesmas ou idênticas prestações. Nem se argumente que os matadouros aproveitam do SIRCA quando a morte dos animais ocorre nas abegoarias ou quando, mortos nas explorações, são apresentados no matadouro para efeito de transformação. Em qualquer dessas eventualidades, os beneficiários continuam a ser os detentores dos animais: na primeira hipótese – que apenas foi incluída no âmbito do SIRCA pelo atual Decreto-Lei n.º 33/2017, de 23 de março –, porque antecede o serviço de abate, numa situação em que o animal ainda podia regressar à exploração pecuária, por indicação do veterinário oficial, o encargo pela respetiva eliminação ainda pertence ao respon- sável pela apresentação do animal para abate; na segunda, o matadouro limita-se a cobrar o serviço normal da sua atividade, com o encargo de eliminar os subprodutos, sendo os detentores dos animais os principais beneficiários da recolha e transporte que a entidade pública efetua da exploração para o matadouro, assim como dos transformados ou derivados, caso possam ser utilizados [artigos 12.º a 14.º do Regulamento (CE) n.º 1069 do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de outubro de 2009]. Os benefícios proporcionados pelo SIRCA são aproveitados direta e imediatamente pelos titulares das explorações pecuárias, que vêm reduzida a possibilidade de transmissão da BSE aos animais vivos que se encontram na exploração. Já a responsabilidade dos matadouros pela concretização dos objetivos do SIRCA não é superior à dos produtores pecuários, nem se mostra diferenciada dos restantes membros da comuni- dade. Com efeito, nem a receita angariada com a contribuição é empregue no interesse comum dos matadou- ros, nem estes ficariam numa situação de vantagem em relação ao todo da comunidade, caso não estivessem sujeitos ao tributo. O que, na verdade, se verifica é que a contribuição é lançada sobre os estabelecimentos de abate com o propósito de financiar prestações provocadas e aproveitadas pelos titulares de estabelecimentos pecuários ou detentores que os adquiriram nesses estabelecimentos. Assim sendo, o legislador não delimitou a base subjetiva de incidência da contribuição prevista no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de fevereiro, em função dos custos e benefícios provocados e aproveitados pelo sujeito passivo, criando antes uma situação de discriminação lesiva do princípio da igual- dade tributária, consagrado no artigo 13.º da CRP.
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