TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
223 acórdão n.º 344/19 Em segundo lugar, o tributo é repartido pelos sujeitos passivos em função dos custos do SIRCA. Com efeito, não obstante a base de incidência objetiva integrar um comportamento do sujeito passivo – abate de animais – e não a qualquer prestação administrativa, a alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de fevereiro, estabelece que a “taxa” não pode ultrapassar os “custos associados” ao SIRCA, “amarrando” assim o tributo às prestações administrativas que visa compensar. Ora, ao associar o facto tribu- tável aos custos inerentes ao SIRCA, o legislador acaba por dirigir o tributo à compensação de prestações pre- sumidas, imputando-as com maior ou menor grau de certeza a um grupo determinado de sujeitos passivos. Em terceiro lugar, a base tributável prevista no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de feve reiro, está fixada em função dos custos que o SIRCA causa à administração e não em função da capacidade que o sujeito passivo detém para suportar o tributo. Nas normas deste preceito, o legislador estabelece uma regra de proporcionalidade entre o valor das taxas a cobrar pelo abate de animais nos matadouros e os custos inerentes aos serviços de recolha, transporte e destruição dos animais mortos nas explorações. Os elementos que integram a base objetiva de incidência e que servem ao cálculo do tributo são o quilograma de carcaça por cada espécie animal abatida [alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 19/2011 e Despacho n.º 5383/2112, publicado no Diário da República , 2.ª série, de 29 de março]. A base tributável está assim conformada através de elementos qualitativos e quantitativos que o legislador considerou adequados a revelar os custos associados ao SIRCA e não por referência a quaisquer factos reveladores da capacidade contributiva do sujeito passivo, nomeadamente, o valor do rendimento, património ou consumo. Em quarto lugar, pelo disposto no n.º 3 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de feve reiro, o produto da cobrança do tributo constituía “receita própria” do IFAP, I.P, passando posteriormente a integrar as receitas do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais (FSSAM), criado pelo Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, a quem compete financiar os custos das ações inerentes ao SIRCA [artigos 3.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º]. Ora, como a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem sublinhado, a consignação de receitas à entidade pública competente para financiar as prestações subjacentes aos tributos que as geram constitui, por regra, «uma qualidade reveladora da natureza comutativa destes tributos, por tal consignação significar que a receita não pode ser desviada para o financiamento de despesas públicas gerais» (Acórdãos n. os 539/15, 320/16, 7/19). Embora não constitua, por si só, um elemento determinante na quali- ficação de um tributo, a consignação da receita não deixa de ser um indicador importante na revelação da finalidade a que o tributo se dirige. Por último, o percurso que o tributo efetuou revela a presença constante de uma estrutura comutativa e de uma finalidade compensatória. No período inicial de combate à BSE, o tributo tinha uma estrutura rigorosamente comutativa, porque incidia sobre os serviços de recolha, transporte, transformação e destrui ção dos subprodutos de origem animal gerados pelos estabelecimentos de abate, tendo por base de cálculo o quilograma de carcaça, e destinava-se a compensar os serviços realizados pela entidade pública (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 197/2002, de 25 de setembro); na sequência da proibição de enterramento dos animais mortos nas explorações e da criação do SIRCA, àquele tributo somou-se um novo tributo com estrutura paracomutativa, por não incidir sobre serviços concretos mas sobre um facto – abate dos animais – que permitia concluir que o apresentante do animal provocava ou aproveitava a sua realização (n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 244/2003, de 7 de outubro); seguiu-se a norma impugnada, que manteve a mesma base objetiva de incidência e a mesma finalidade compensatória, mas modificou a estrutura subjetiva do tributo, passando o tributo a ser cobrado diretamente aos estabelecimentos de abate (artigo 2.º do Decreto- -Lei n.º 19/2011, de 7 de fevereiro); atualmente, a base de incidência do tributo continua a ser a qualidade e quantidade de animais abatidos, mas o encargo passou a recair novamente sobre os apresentantes dos animais para abate (artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 33/2017, de 23 de março). Como se vê, a estrutura e a finalidade a que se encontra votado o tributo leva à qualificação com con- tribuição: um tributo exigido por uma entidade pública em contrapartida de uma prestação administrativa presumivelmente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo.
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