TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
222 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ora, a partir do abate de animais para consumo público – a base de incidência objetiva do tributo – não se pode presumir com maior ou menor grau de certeza que os matadouros são os imediatos causadores e beneficiários das prestações concretas em que se traduz o SIRCA. A atividade levada a cabo pela adminis tração no âmbito do SIRCA não resulta para esses estabelecimentos um benefício maior do que para a gene ralidade dos consumidores: destinando-se o tributo à cobertura dos custos do SIRCA, parece evidente que os estabelecimentos de abate sobre quem recai não retiram desse pagamento qualquer vantagem ou benefício, uma vez que a SIRCA apenas beneficia os produtores pecuários. Não assentando o tributo sobre quaisquer prestações efetivas ou sobre um índice suficientemente forte para que se possa considerar efetiva uma prestação de que os sujeitos passivos sejam beneficiários, não se está perante uma estrutura rigorosamente comutativa que permita qualificá-lo como taxa. Pode assim afirmar-se que, apesar do propósito de remunerar um conjunto determinado de atividades levadas a cabo pelas enti- dades públicas, a denominada “taxa SIRCA” não constitui uma verdadeira taxa porque não incide sobre uma qualquer prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo causador ou beneficiário. Olhando para o pressuposto da “taxa SIRCA”, tal como concebida na norma questionada, verifica-se que ele não é constituído por uma prestação que a administração dirija de modo individual aos estabelecimentos de abate. E por isso mesmo, atendendo à sua estrutura interna, poderia pensar-se em qualificá-lo como imposto. Não integrando no seu pressuposto qualquer prestação pública que ponha o sujeito passivo em relação com a administração, o tributo parece ter «natureza» unilateral. De facto, o abate de animais para consumo público, que corresponde ao exercício da atividade normal dos matadouros, é um facto alheio ao conjunto de presta- ções administrativas e materiais realizadas pelo SIRCA. Em caso semelhante – taxa da peste suína africana –, em que o pressuposto também era o abate de animais, o Tribunal Constitucional chegou a considerar que a inexistência do “vínculo sinalagmático” qualifica o tributo como imposto: «Tem, pois, de se concluir que, no caso da taxa da peste suína não se está perante uma contraprestação de um serviço prestado, mas antes perante uma forma de financiar uma atividade do Estado vocacionada para a satisfação de necessidades públicas em geral ou de uma certa categoria abstrata de pessoas, não se verificando, no caso, os elementos definidores de uma taxa, pelo que o “tributo” em questão é um imposto ou, pelo menos, tem de ser con- siderado como se um imposto se tratasse. O que vale por dizer que não pode deixar de se considerar como integrando a reserva de lei fiscal» (Acórdãos n. os 369/99, 370/99, 473/99 e 96/00). Todavia, através dos elementos constitutivos do tributo, designadamente a base de incidência, a base de cálculo e a afetação da receita, descobre-se a presença de um fundo comutativo que o afasta do mero propósito de angariação de receitas para financiamento dos encargos públicos. Na verdade, a “taxa SIRCA” também não pode ser qualificada como um imposto porque a sua finalidade não é satisfazer os gastos gerais da comunidade, em cumprimento do dever geral de solidariedade, mas unicamente contribuir para o finan- ciamento de uma atividade pública imposta pela União Europeia mediante a consignação das receitas a um Fundo que tem por missão específica custear essa atividade. Em primeiro lugar, o tributo assume-se como contrapartida dos serviços prestados pelo SIRCA, sendo exigido em função dos custos gerados pelo funcionamento desse sistema. O Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de fevereiro, no preâmbulo e nos respetivos preceitos, não deixa dúvidas quanto à finalidade compensatória: o tributo é cobrado para financiar os “custos associados” ao SIRCA, nomeadamente, os custos administrati- vos, de recolha, de análise, de transporte e de destruição (artigos 1.º e 2.º). As normas destes preceitos deixam ver com toda a clareza que o tributo não se destina ao financiamento das despesas gerais da comunidade, mas ao financiamento do conjunto determinado de prestações. É verdade que para os matadouros o tributo não representa a contraprestação de um serviço prestado por uma entidade pública e que esse serviço não é efeti- vamente provocado ou aproveitados por eles. Mas não é menos verdade que o legislador associa ao tributo a intenção de compensar os custos inerentes ao funcionamento do SIRCA, deslocando assim a prestação para o elemento finalístico do tributo. Portanto, diferentemente do que ocorre no imposto, a “taxa SIRCA” não é uma figura tributária estranha à compensação de prestações administrativas.
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