TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

22 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de ter conferido às autarquias locais o poder de atribuir o suplemento remuneratório em causa a alguns dos seus trabalhadores –, o legislador regional estaria a bulir tão ou mais intensa e inconstitucionalmente com o estatuto das autarquias locais. Talvez o legislador regional pretendesse o contrário: isto é, talvez estivesse a evitar interferir na autonomia local ao estabelecer uma intervenção necessária de órgãos dos municípios. Mas, juridicamente, o resultado não é esse. 34. Desde logo, porque a formulação da norma em causa determina uma nova competência de órgãos do poder local, uma vez que a mesma não tem consagração legal (designadamente, no regime jurídico das autarquias locais, constante da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, na redação emergente da Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto). 35. Do ponto de vista da estrutura da norma sub judice , a mesma assenta a extensão do suplemento remuneratório em questão aos trabalhadores equiparados da administração local, “após deliberação expressa do órgão municipal”. Esta formulação parece querer ser respeitadora da autonomia local, na medida em que supõe que aquela equiparação entre trabalhadores ficaria na disponibilidade das próprias autarquias, sendo que a norma em questão nem sequer determina qual o órgão “municipal competente”. 36. Pese embora seja muito discutível a relevância jurídica da mens legislatoris , pode até conceder-se que o legislador regional pretendia apenas uma limitação mínima da autonomia local. Mas alguma limitação estaria certamente no seu espírito, posto que a norma em causa não é de teor meramente recomendatório. 37. Com efeito, o que resulta da mesma é que os trabalhadores das autarquias locais, nesta perspetiva, podem vir a ter um direito novo mediante decisão dos “órgãos municipais”. 38. Porém, importa sublinhar que se trata, nesta perspetiva, de uma possibilidade (expetativa) que os trabalhadores das restantes autarquias locais em Portugal não têm (nem podem vir a ter sem uma intervenção do legislador nacional!). 39. Poderia dizer-se que, em última análise, se tal direito depende do exercício de uma competência municipal (cujo órgão nem sequer é determinado), então o legislador regional estaria a respeitar, suficientemente talvez, a autonomia autárquica. Mas essa é uma deslocação do problema. Desde logo porque, ainda que assim fosse, isso não tiraria o facto de existir uma invasão da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República: isto é, a Constituição da República Portuguesa só autoriza interferências legislativas na autonomia autárquica (limitativas ou outras) por lei parlamentar ou decreto-lei autorizado. 40. De resto, a reserva parlamentar abrange, como vimos, o próprio estatuto dos trabalhadores da administração local, pelo que não pode ser um decreto legislativo regional a estabelecer a possibilidade da referida equiparação. 41. Mas a não identificação do órgão municipal titular da competência não é menos problemática, nem infirma as considerações que antecedem. 42. Na verdade, com a norma sub judice o legislador regional assenta uma necessidade de atuação dos municípios que, neste momento, não existe no ordenamento jurídico português. Com efeito, pelo menos a operatividade do direito dos trabalhadores ao suplemento em causa depende do exercício de uma competência municipal, e isso condiciona a autonomia local, na medida em que as competências são poderes-deveres a exercer perante situações jurídicas ativas individuais. 43. Por outro lado, a determinação dessa atuação sem a fixação de um órgão especificamente competente aponta, afinal, para a criação de uma nova atribuição, que é depois determinante na interpretação das competências já fixadas para os órgãos municipais no Regime Jurídico das Autarquias Locais. 44. Ora, de acordo com o artigo 237.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, “[a]s atribuições e a organização das autarquias locais, bem como a competência dos seus órgãos, serão reguladas por lei, de harmonia com o princípio da descentralização administrativa”. E como é sobejamente sabido, a reserva de lei que neste pre- ceito se encontra opera juntamente com o disposto no artigo 165.º, n.º 1, al. q) (cfr. J. J. Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, II, cit., p. 723). 45. Poderia dizer-se que, nos termos em que a norma está estruturada, o legislador regional, na verdade, pre- tende subordinar-se ao legislador nacional no respeitante às competências dos órgãos municipais, neste sentido: quando a referida competência vier a ser fixada pelo legislador nacional, então a norma sub judice poderá final- mente funcionar; até lá, a mesma considera-se “programática”, isto é, dependente desse facto futuro para a sua

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