TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

217 acórdão n.º 344/19 A cobrança destes tributos foi temporária, porquanto vigorou apenas até ao momento em que os esta- belecimentos de abate tiveram que assumir a responsabilidade pela recolha, transporte e destruição dos sub- produtos animais por eles gerados. De facto, tal como já havia sido enunciado em diploma anterior, o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 244/2003, de 7 de outubro, transferiu para os estabelecimentos de abate o encargo de procederem à recolha, transporte e eliminação dos subprodutos interditos, por sua iniciativa ou com recurso à contratação de serviços de terceiros, mediante um plano a aprovar pela DGAV no prazo de noventa dias para os produtos da categoria 3 e de dois anos para os subprodutos das categorias 1 e 2. A prestação pelo Estado dos serviços de recolha, transporte e destruição de animais mortos nas explora- ções iniciou-se com a interdição do respetivo enterramento imposta pelo Regulamento (CE) n.º 1774/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho de 3 de outubro, tendo sido criado em 2003, através do despacho n.º 9137/2003, de 9 de maio, o designado sistema de recolha de cadáveres de animais mortos na exploração (SIRCA). Para efeito de financiamento desse sistema, foi criado um tributo denominado «taxa de financiamento do SIRCA», cujo pressuposto era constituído pela apresentação de animais vivos para abate. O tributo cons­ tituía um encargo do «apresentante do animal para abate», o qual ficava obrigado ao pagamento de uma taxa fixa de € 0,025 por quilograma de carcaça, qualquer que fosse a espécie abatida. A liquidação e pagamento do tributo eram da responsabilidade do estabelecimento de abate, na qualidade de “substituto tributário”, mediante processo de autoliquidação. Não obstante a taxa não assentar na realização de ações concretas de recolha, transporte e destruição dos animais mortos nas explorações, presumia-se que os apresentadores de animais para abate podiam ser beneficiários diretos do SIRCA, uma vez que a finalidade da receita anga­ riada com o tributo era o financiamento desse sistema (n.º 2 do artigo 5.º, artigo 6.º e n.º 2 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 244/2003, de 7 de outubro). O Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de fevereiro – que revogou os preceitos do Decreto-Lei n.º 244/2003 relativos à “taxa de financiamento do SIRCA – procedeu a alterações significativas na base subjetiva da incidência e na composição da base de cálculo. O tributo continuou a ter por finalidade o financiamento do SIRCA e por pressuposto o abate de animais. Mas o sujeito passivo passou a ser o estabelecimento de abate em vez dos apresentadores dos animais para abate e a base de cálculo passou a ser fixada por espécie animal, com aumento do valor de cada quilograma de carcaça abatida. Nas alíneas a) e b) do artigo 2.º desse diploma, o legislador estabeleceu critérios de quantificação do tributo, impondo como limite os “custos associados” ao SIRCA, nomeadamente os custos administrativos, de recolha, de análise, de transporte e de destruição dos animais. Atualmente, o recorte da base subjetiva de incidência e o procedimento de liquidação e cobrança, constan- tes dos artigos 7.º a 10.º do Decreto-Lei n.º 33/2017, de 23 de março, são semelhantes à versão originária do tributo, não obstante a significativa densificação do conceito de «apresentante dos animais para abate». 7. O problema nuclear que o presente recurso coloca ao Tribunal consiste em saber se o tributo que o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de fevereiro, impõe aos titulares dos estabelecimen- tos de abate corresponde à figura conceptual de imposto, contribuição ou taxa. A qualificação jurídica do tributo ergue-se aqui como primeira decisão a tomar, porque a questão de constitucionalidade colocada pelo recorrente – violação do princípio da igualdade – depende da correspondência do tributo criado pela norma impugnada a um ou outro daqueles conceitos. Com efeito, no plano constitucional, a autonomização das três categorias de tributos públicos não releva apenas dos princípios da legalidade, da tipicidade e da reserva de lei parlamentar, mas também quanto ao princípio da igualdade. Por um lado, os impostos, que não as taxas e contribuições financeiras, estão sujeitos aos princípios formais da legalidade e da tipicidade, contidos no artigo 103.º da Constituição, aos princípios substanciais, orientadores do sistema fiscal, consagrados no artigo 104.º, e à reserva absoluta de lei parlamen- tar, prevista na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º; por outro, o princípio da igualdade tributária não reveste o mesmo significado em todas as categorias de tributos, exigindo critérios de repartição que se adequem à

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