TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
21 acórdão n.º 450/19 25. Uma vez que a norma sub judice atribui um direito subjetivo aos trabalhadores da administração local, o exercício daquela competência por parte dos órgãos autárquicos não é discricionário ou essencialmente discricionário, o que, teoricamente, abre aos trabalhadores da administração local da Região a possibilidade de lançarem mão de meios processuais previstos da legislação de processo administrativo com vista à obtenção da condenação das autarquias locais ao exercício daquela mesma competência. 26. Ora, esta possibilidade consubstancia uma clara afetação da autonomia local, constitucionalmente garan- tida (artigos 6.º, n.º 1, e 235.º e seguintes da CRP). 27. Note-se que não está em causa, simplesmente, a ampliação na Região Autónoma da Madeira do suplemento remuneratório em questão. 28. Do que se trata é de o próprio legislador regional onerar as autarquias madeirenses com o encargo financeiro decorrente da atribuição deste (novo) direito, e de nisso implicar o exercício das competências dos órgãos dos municípios. 29. É inequívoco que o conteúdo material da norma sub judice diz respeito ao estatuto das autarquias locais e seu regime financeiro, previsto no artigo 165.º, n.º 1, al. q) da CRP, porquanto o estatuto das autarquias locais “abrange seguramente a sua organização, as suas atribuições e a competência dos seus órgãos, a estrutura dos seus serviços, o regime dos seus funcionários, bem como o regime das finanças locais, ou seja, a generalidade das matérias tradicionalmente incluídas no chamado «Código Administrativo»” – cfr. J. J. Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , II, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2010, p. 332. 30. Assim, invocando mais uma vez o douto Ac. TC n.º 420/2018, “A questão de constitucionalidade, tal como colocada nos presentes autos, consiste em determinar se a norma sindicada versa sobre matéria que se encontra reser- vada à competência legislativa da Assembleia da República (AR), em concreto, por força da cláusula de reserva relativa de competência legislativa consagrada na al. q) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, segundo a qual é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar, salvo autorização ao governo, sobre matéria e «Estatuto das autar- quias locais, incluindo o regime das finanças locais» – matéria que, por força do disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 227.º e do artigo 228.º, n.º 1, da Constituição, se encontra expressamente excluída da competência legislativa das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas por aí se afastar a possibilidade de uma lei de autorização legislativa incidir sobre essa matéria do domínio da competência reservada da Assembleia da República”. 31. No caso sub judice , à semelhança do que estava em causa no já citado Ac. TC n.º 420/18, a norma afeta “recursos financeiros e receitas próprias dos municípios da RAM a uma finalidade extrinsecamente determinada pelo legislador regional”, em termos inovadores face ao disposto pelo legislador no plano nacional e “projeta os efeitos da concessão do direito nela previsto sobre a esfera jurídico-financeira dos municípios da RAM”. 32. Deste modo, o poder de autodeterminação financeira que integra a autonomia financeira das autarquias locais (em especial artigo 238.º, n. os 1 e 3 da Constituição da República Portuguesa) não deixa de se mostrar afetado no seu conteúdo respeitante à decisão de gestão e disposição dos seus recursos financeiros, em especial os assentes nas receitas próprias – matéria que se integra no estatuto das autarquias locais, reservado à competência legislativa da Assembleia da República. Ainda nas palavras do Ac. TC n.º 420/18, “(…) qualquer que seja a interpretação da norma sindicada que se tome por base, e tendo o conteúdo da norma sindicada reflexo sobre o «quadro legal de nível nacional» (…) [aqui leia-se, em matéria de suplementos remuneratórios em condições de risco e penosidade] (ampliando o seu âmbito subjetivo de aplicação) e incidência direta – senão preclusiva, pelo menos fortemente limitativa – sobre elementos essenciais caracterizadores da autonomia local, em especial da autonomia decisória e financeira dos municípios – por via da necessária prossecução de interesses públicos por estes não determinados e da disposição de recursos financeiros próprios municipais sem prévia decisão dos órgãos municipais competentes –, e de concluir que a matéria sobre que incide a norma sindicada se reporta a matéria integrada na reserva relativa da AR consagrada na al. q) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição – quer na vertente do estatuto das autarquias locais (atribuições e competências dos órgãos do município), quer na específica vertente, naquele contida, do regime das finanças locais”. 33. Ainda que assim não se entendesse e se abraçasse a segunda das possibilidades interpretativas referidas supra – isto é, que se considerasse a norma sindicada apenas como norma de competência, simplesmente no sentido
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