TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

203 acórdão n.º 332/19 “[…] 11. O princípio da presunção de inocência pertence àquela classe de princípios materiais do processo penal que, enquanto constitutivos do Estado de direito democrático, são extensíveis ao direito sancionatório público. Sendo expressão do direito individual das garantias de defesa e de audiência, este princípio encontra, pois, aplica- ção também no processo contraordenacional, como decorre dos n.os 2 e 10 do artigo 32.º da Constituição. Nestes termos, no processo contraordenacional, como em qualquer outro processo sancionatório, o arguido presume-se inocente até se tornar definitiva a decisão sancionatória contra si proferida, o que, neste caso, se con- substancia no momento em que a decisão administrativa se torne inatacável ou, no caso de impugnação, até ao trânsito em julgado da sentença judicial que dela conhecer. O estatuto processual do arguido no processo contraordenacional, enformado pela garantia da presunção de inocência, permite, por exemplo – e para o que agora releva –, que o tratamento do arguido ao longo de todo o processo seja configurado sem perder de vista a possibilidade de verificação da sua inocência, não sendo de admitir, designadamente, que a autoridade administrativa considere o arguido culpado antes de formalizar o juízo sancio- natório de forma necessariamente fundamentada.» […]”. Ora, independentemente de as garantias de processo sancionatório – incluindo o direito à presunção de inocência – não terem, neste domínio, “o mesmo peso axiológico que têm no âmbito criminal, em virtude do diferente alcance ablativo das sanções cominadas e da diferente ressonância social das infrações” (Acórdão n.º 123/18), o certo é que a medida em causa, de natureza cautelar, não envolve um juízo tendencialmente definitivo sobre a responsabilidade disciplinar, mas apenas uma apreciação (impugnável judicialmente) sobre o risco da continuação da prática de infrações disciplinares. Tal medida não se destina a antecipar o efeito de qualquer sanção. Não envolve, em suma, qualquer decisão que pressuponha a culpabilidade, pelo que não se prefigura qualquer violação do princípio da presunção de inocência. O recorrido invoca, ainda, violação do princípio da legalidade, porquanto a norma posta em crise “[…] não é nem certa, nem precisa, nem clara, nem rigorosa, quanto aos concretos termos em que um adminis- trador judicial pode ser suspenso preventivamente”. No entanto, os pressupostos resultam claros do texto legal: trata-se do risco da prática de novos atos (disciplinarmente) ilícitos, o que se prevê com uma abertura semelhante à que se encontra, por exemplo, nas normas processuais penais que contêm uma previsão cor- respondente. Apurar se esses pressupostos se verificam no caso concreto (questão que, de resto, pode ser colocada em impugnação judicial) é algo que exorbita a competência do Tribunal Constitucional. Não ocorrendo violação dos assinalados princípios e normas constitucionais, nem se prefigurando que a norma afronte quaisquer outros, resulta precludida a possibilidade de fixar uma interpretação alternativa conforme à Constituição, pois esta pressuporia a inconstitucionalidade da norma apreciada, perante a qual a interpretação conforme se imporia (artigo 80.º, n.º 3, da LTC). Pelo exposto, resta concluir pela não inconstitucionalidade da norma contida no artigo 18.º, n.º 1, alínea a) , do Estatuto do Administrador Judicial, aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 17/2017, de 16 de maio, com a consequente procedência do recurso, pelo que devem os autos baixar ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, para que este reforme a decisão recorrida em conformidade com o presente juízo de não inconstitucionalidade (artigo 80.º, n.º 2, da LTC). III – Decisão 3. Em face do exposto, decide-se: a) Não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 18.º, n.º 1, alínea a) , do Estatuto do Admi- nistrador Judicial, aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 17/2017, de 16 de maio; e, consequentemente,

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