TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
202 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL protegidos ou estão expostos à atuação do administrador judicial. Vale aqui, como desvalor que se pretende neutralizar, a ideia de perigo, entendido como colocação de bens protegidos numa situação de insegurança existencial na qual se não pode consistentemente confiar na incolumidade desses bens. Afastado fica, assim, necessariamente, o paralelismo com o regime disciplinar geral da função pública, arquitetado para uma realidade substancialmente diversa e que envolve outras variáveis de ponderação. Perante tal contexto, o legislador recorreu à única limitação idónea para assegurar a proteção dos interessespotencialmente afetados: limitou a suspensão por referência à decisão do processo disciplinar. Trata-se, efetivamente, de um limite, visto que o procedimento disciplinar se encontra sujeito aos prazos pre- vistos na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, doravante LGTFP), por remissão do artigo 17.º, n.º 2, do Estatuto do Administrador Judicial. Prevê-se, designadamente, no artigo 178.º da LGTFP, sob a epígrafe “prescrição da infração disciplinar e do procedimento disciplinar”: 1 – A infração disciplinar prescreve no prazo de um ano sobre a respetiva prática, salvo quando consubstancie também infração penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos. 2 – O direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico. […] 5 – O procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses, a contar da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não tenha sido notificado da decisão final. 6 – A prescrição do procedimento disciplinar referida no número anterior suspende-se durante o tempo em que, por força de decisão ou de apreciação judicial de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar. 7 – A prescrição volta a correr a partir do dia em que cesse a causa da suspensão. É certo que, se se multiplicarem as (indiciadas) ocorrências disciplinares, dando origem a diferentes processos disciplinares, pode colocar-se a questão da sucessiva aplicação da norma questionada nos presentes autos. No entanto, assim acontecerá perante a dispersão e multiplicação de indícios, renovando-se do mesmo passo as necessidades cautelares. De todo o modo, não é nessa específica dimensão (de sucessiva aplicação) que a norma vem questionada no contexto do presente recurso. Também não constitui argumento válido no sentido da inconstitucionalidade da norma a possibilidade de a suspensão preventiva ser antecedida de medidas penais ou processuais penais de efeito idêntico: estas visam realizar finalidades diversas. Ademais, e novamente, não é nessa específica dimensão (de sucessiva apli- cação) que a norma vem questionada. Resta, então, concluir que, perante o risco da prática de (novos) factos disciplinarmente relevantes que vai pressuposto na norma (e deve ser concretamente aferido) existe uma relação suficientemente equilibrada entre o valor em causa na prossecução do objetivo subjacente à atuação (a boa administração da justiça nos processos de insolvência e de revitalização; os interesses patrimoniais dos credores cujos direitos se realizam através do processo de insolvência) e o nível de restrição da posição afetada por essa mesma atuação (a restrição ao exercício da atividade do sujeito do procedimento disciplinar). Vale o exposto por dizer que a norma satisfaz o terceiro e derradeiro teste de proporcionalidade. 2.6. Aponta-se, na decisão recorrida, que a norma sub judice importa violação do princípio da presunção de inocência, pois “afigura-se configurar a aplicação de uma pena sem, sequer, ter tido a oportunidade de exercer o seu direito de defesa”. Como se fez notar no Acórdão n.º 675/16:
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