TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

201 acórdão n.º 332/19 detidos [artigo 36.º, n.º 1, alínea g) , do CIRE]. É perante o administrador da insolvência, e não perante o insolvente, que passam a ser cumpridas as obrigações de que este seja credor [artigo 36.º, n.º 1, alínea m) , do CIRE]. As dívidas resultantes da atuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções são consideradas dívidas da massa insolvente [artigo 51.º, n.º 1, alínea d) , do CIRE] e pagas com prioridade face à generalidade das dívidas do insolvente (artigo 172.º, n.º 1, do CIRE). Para além de outras importantes competências, cabe ao administrador da insolvência preparar o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente das que constituem produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que a integram [artigo 55.º, n.º 1, alínea a) , do CIRE] e prover, no entretanto, à conservação e frutificação dos direitos do insolvente e à continuação da explora- ção da empresa, se for o caso, evitando quanto possível o agravamento da sua situação económica [artigo 55.º, n.º 1, alínea b) , do CIRE], podendo contratar a termo certo ou incerto os trabalhadores necessários à liquidação da massa insolvente ou à continuação da exploração da empresa (artigo 55.º, n.º 4, do CIRE). Dispõe de poderes para desistir, confessar ou transigir, mediante concordância da comissão de credores, em qualquer processo judicial em que o insolvente, ou a massa insolvente, sejam partes (artigo 55.º, n.º 8, do CIRE). Com a declaração de insolvência, os poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente passam a competir ao administrador da insolvência (artigo 88.º, n.º 1, do CIRE), que assume a representação do devedor para todos os efeitos de caráter patrimonial que interessem à insolvência (artigo 88.º, n.º 4, do CIRE). Daqui resultam amplos poderes, que se projetam, entre outros domínios, na legitimidade para exercício de certos direitos (artigo 82.º do CIRE), na modelação de negócios em curso (artigos 102.º e seguintes do CIRE), na verificação de créditos (artigos 128.º e seguintes do CIRE) e na administração e liquidação da massa insolvente (artigos 149.º e seguintes do CIRE). Vale o exposto por dizer que a atuação do administrador judicial é, em geral, e em particular nas vestes de administrador da insolvência, suscetível de afetar seriamente interesses de conteúdo patrimonial de várias pessoas, designadamente os credores que fazem valer os seus direitos no processo de insolvência, e o próprio devedor. Sucede que nenhuma das entidades com competência para fiscalizar a atuação do administrador da insolvên- cia , em diversos planos (o juiz, nos termos do artigo 58.º do CIRE; a comissão de credores, se existir; a Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça, externamente e posteriormente, já noutro con- texto) está, por regra, em posição de conhecer, prever e/ou prevenir atempadamente o dano decorrente do exercício dos poderes do administrador judicial em desvio das suas obrigações legais. Pode o administrador da insolvência praticar sucessivos – e patrimonialmente relevantes – atos (formalmente válidos, eficazes) para benefício próprio ou de terceiros ou simplesmente com prejuízo para os interesses dos credores da insolvência sem que a estes, ao juiz ou à comissão de credores (e muito menos à Comissão para o Acompanhamento dos Auxi­ liares da Justiça) chegue notícia em tempo útil. Constitui este um ponto decisivo para o terceiro teste de proporcionalidade, para o qual chama a aten- ção a Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça, nas suas alegações: “[d]iferentemente do que acontece em processo disciplinar em que são arguidos trabalhadores, públicos ou privados, não há aqui a possibilidade de a entidade com poder disciplinar dosear ou modificar as funções do arguido, pois a mesma é de todo estranha à sua nomeação ou destituição como administrador judicial, e em nada participa na atribuição das tarefas que desenvolve em tal qualidade”. Tal circunstância é decisiva. Não havendo a possibilidade, nem prática nem legal, de controlar os termos de um eventual regresso às funções do administrador judicial, ao contrário do que ocorreria em contexto laboral ou qualquer outro que traduzisse uma efetiva hierarquia funcional que permitisse modelar e/ou acompanhar o exercício de fun- ções (e assim mitigar o risco de serem praticados novos atos desconformes), a cessação da suspensão implica a reposição de todo o risco da prática de novos ilícitos disciplinares, com a consequente desproteção dos interessesque a norma visou salvaguardar. Não existe, para tutela daqueles interesses, via intermédia: ou estão

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