TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

200 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ora, para proteger os interesses potencialmente afetados pela atuação do administrador judicial em desvio dos seus deveres legais com a mesma intensidade – isto é, preservando-os da intervenção potencialmente lesiva até à decisão do procedimento disciplinar – não se prefiguram soluções menos restritivas. Limitar tempo- ralmente a suspensão a um período inferior teria, manifestamente, eficácia mais reduzida enquanto medida que visa prevenir o risco da prática de outras infrações disciplinares. Outras soluções não tutelariam aqueles interesses “com a intensidade (…) pretendida [pelo legislador]” (último A. e loc . cit .). Resta saber se a tutela dos referidos interesses com tal intensidade gera um desequilíbrio intolerável entre o valor em causa na prossecução do objetivo subjacente à atuação e o nível de restrição da posição afetada por essa mesma atuação. Trata-se, já, do terceiro teste de proporcionalidade. 2.5.3. Assim, quanto ao teste final de balanceamento ( proporcionalidade em sentido estrito ), que neces- sariamente nos conduz a um processo de ponderação de razões ou argumentos, não poderá o Tribunal deixar de vincar, antes de mais, a natureza e o conteúdo das funções do administrador judicial. O Estatuto do Administrador Judicial (aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro, alterada pela Lei n.º 17/2017, de 16 de maio) define-o como “[…] a pessoa incumbida da fiscalização e da orientação dos atos integrantes do processo especial de revitalização, bem como da gestão ou liquidação da massa insol- vente no âmbito do processo de insolvência, sendo competente para a realização de todos os atos que lhe são cometidos pelo presente estatuto e pela lei” (artigo 2.º, n.º 1). Por lhes serem concedidas prerrogativas de autoridade, os administradores judiciais estão sujeitos aos impedimentos e suspeições aplicáveis aos juízes (artigo 4.º, n.º 1). Devem cumprir especiais exigências de idoneidade (artigo 5.º), são equiparados aos agen- tes de execução para efeito de ingresso nas secretarias judiciais, acesso ao registo informático de execuções e consulta de bases de dados [artigo 11.º, alínea a) ]. Devem, “[…] no exercício das suas funções e fora delas, considerar-se servidores da justiça e do direito e, como tal, mostrar-se dignos da honra e das responsa­ bilidades que lhes são inerentes” (artigo 12.º, n.º 1) e “[…] atuar com absoluta independência e isenção, estando-lhes vedada a prática de quaisquer atos que, para seu benefício ou de terceiros, possam pôr em crise, consoante os casos, a recuperação do devedor, ou, não sendo esta viável, a sua liquidação, devendo orientar sempre a sua conduta para a maximização da satisfação dos interesses dos credores em cada um dos proces- sos que lhes sejam confiados” (artigo 12.º, n.º 2). Em suma, tem, para o caso, inteiro cabimento o retrato funcional que Lebre de Freitas traçou (referindo-se ao agente de execução, numa observação inteiramente transponível para o administrador judicial): um “[…] misto de profissional liberal e funcionário público, cujo estatuto de auxiliar da justiça implica a detenção de poderes de autoridade no processo executivo” (no caso, processo de insolvência), no que vai implicado o “desempenho de um conjunto de tarefas, exercidas em nome do tribunal” ( A Ação Executiva Depois da Reforma da Reforma, 5.ª edição, Coimbra, 2011, pp. 26/27). Atuando como administrador judicial provisório, em processo de revitalização, cabe ao administrador judicial, desde logo, autorizar a prática de “atos de especial relevo” pelo devedor, na pendência daquele pro- cesso (artigo 17.º-E, n.º 2, do CIRE), para além de orientar e fiscalizar o decurso dos trabalhos de negocia- ções (artigo 17.º-D, n.º 9, do CIRE), podendo definir as respetivas regras, na falta de acordo (artigo 17.º-D, n.º 8, do CIRE). Enquanto fiduciário, em caso de ser proferido despacho inicial de exoneração do passivo restante, cabe- lhe receber o rendimento disponível do devedor, durante o período da cessão, desta cessão dando conheci- mento àqueles que tenham direito a haver uma parte de tais rendimentos e afetando os montantes recebidos nos termos da lei, para além de lhe poder ser confiada a tarefa de fiscalizar o cumprimento pelo devedor das obrigações que sobre este impendem (artigos 239.º, n.º 2, e 241.º, n. os 1 e 3, do CIRE). Mas é, obviamente, no processo de insolvência – agindo como administrador da insolvência – que o administrador judicial assume o papel mais relevante na vida empresarial e no comércio jurídico. Declarada a insolvência, são apreendidos, para entrega ao administrador da insolvência, os elementos da contabilidade do devedor e todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou

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