TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
20 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 17. O artigo 1.º do decreto enviado ao Representante da República para a Madeira para assinatura como decreto legislativo regional intitulado “Institui e disciplina a atribuição de um suplemento remuneratório aos tra- balhadores da Secretaria Regional dos Equipamentos e Infraestruturas que prestem trabalho em condições de risco e penosidade” tem a seguinte redação: “Artigo 1.º Objeto 1 – O presente diploma institui e disciplina a atribuição de um suplemento remuneratório aos trabalha- dores da Secretaria Regional dos Equipamentos e Infraestruturas, em caso de efetiva prestação de trabalho em condições de risco e penosidade. 2 – O suplemento remuneratório previsto no número anterior é, igualmente, aplicável aos trabalhadores equiparados da administração pública local, após deliberação expressa do órgão municipal competente .” (sublinhado nosso) 18. É inequívoco que o disposto no n.º 2 deste artigo 1.º tem implicações na autonomia e no estatuto das autarquias locais e seu regime financeiro. Senão, vejamos. 19. Em primeiro lugar, a extensão do suplemento remuneratório aos trabalhadores da administração local, nos termos do citado n.º 2, pretende constituir na esfera jurídica daqueles um acréscimo que, presentemente, os mesmos não têm, uma vez que, como demonstrado supra, o Decreto-Lei n.º 25/2015, de 6 de fevereiro, não foi até hoje objeto de aplicação à administração local através de diploma autónomo. 20. Ora, os suplementos remuneratórios integram a remuneração dos trabalhadores com vínculo de emprego público, a par da remuneração base e dos prémios de desempenho (artigo 146.º da LGTFP); e o pagamento pon- tual da remuneração, englobando estes três componentes, é um dever do empregador público respetivo (artigo 71.º, n.º 1 da LGTFP). 21. A priori, a norma objeto do presente requerimento apresenta duas possibilidades de interpretação: (i) a mesma pode ser vista como conferindo imediatamente um direito a certos trabalhadores da administração local, direito esse cuja efetivação depende do exercício de competências por parte de órgãos municipais; (ii) ou pode ser eventualmente interpretada apenas como norma de competência, simplesmente no sentido de ter conferido às autarquias locais, – qual “Lei habilitante” –, o poder de atribuir o suplemento remuneratório em causa a alguns dos seus trabalhadores. Qualquer que seja a interpretação que se perfilhe, a norma em causa é violadora da Constituição da República Portuguesa (pelo que não parece da máxima relevância determinar à partida qual a melhor ou mais correta de ambas as possibilidades interpretativas, o que nos levaria para aspetos que se creem demasiado laterais para uma apreciação de constitucionalidade). 22. Na primeira das referidas possíveis interpretações, os trabalhadores da administração local passariam, por efeito da norma sub judice , a ser titulares de um direito novo, e as autarquias a estar oneradas com um novo dever correlato daquele direito: o pagamento dos acréscimos remuneratórios correspondentes aos suplementos. 23. É manifesta a interferência com a autonomia financeira do poder local, pois com esta norma o legislador regional constitui as autarquias locais da Região Autónoma da Madeira (e apenas estas) numa nova responsabilidade financeira, até ao momento inexistente. 24. Com efeito, como já afirmou este douto Tribunal Constitucional no seu seminal Ac. TC n.º 420/18, de 9 de agosto de 2018 (votado, aliás, por unanimidade), em passagem que agora se acompanha com pleno cabimento ao caso em apreço, a norma aqui sindicada “impondo a atribuição de um direito [na situação então em causa, o “(benefício da tarifa social na água) aos bombeiros da RAM”; agora, um suplemento remuneratório para os traba- lhadores da administração local] «a custa» de receitas dos municípios (…) não deixa de interferir com os traços do regime geral fixados pelo legislador e o espaço de autonomia dos municípios, seja decisória, seja financeira, no que respeita a assunção de despesas e livre disposição das suas receitas a prossecução dos seus fins, nos limites da sua autonomia financeira tal como regulada por lei”.
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