TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

198 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Não está em causa, pois, e manifestamente, a inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição. 2.4. Afastado o enquadramento da imputada inconstitucionalidade nos termos do artigo 32.º, n.º 10, da Constituição, importa notar que a norma contida no artigo 18.º, n.º 1, alínea a) , do Estatuto do Admi- nistrador Judicial – que constitui objeto do presente recurso –, operando uma evidente restrição a direitos com projeção constitucional da pessoa visada no processo disciplinar (seja na perspetiva do exercício de uma profissão, previsto no artigo 47.º, n.º 1, seja – atendendo às particulares características do exercício da função em causa – na perspetiva da liberdade de iniciativa económica privada, a que se refere o artigo 61.º, n.º 1), fá-lo para proteção de outros interesses constitucionalmente relevantes. Prevenindo a prática de (novos) ilícitos disciplinares protege-se, desde logo, o interesse do Estado cor- respondente ao dever de administrar a justiça (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição), designadamente através de procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade (artigo 20.º, n.º 5, da Constituição), como é o caso do processo de insolvência. Do mesmo modo se protegem, ainda, os interesses patrimoniais dos credores cujos direitos se realizam, através daquele processo, à custa dos bens e direitos apreendidos, confiados ao administrador judicial (cfr. artigo 81.º, n.º 1, do CIRE, caso atue nas vestes de administrador da insolvência, cfr. artigo 2.º, n.º 2, do Estatuto do Administrador Judicial). A este propósito, é de notar que o artigo 62.º, n.º 1, da Constituição não abrange apenas a tutela dos direitos reais, mas também a satisfação dos direitos de crédito à custa do património do devedor, como assinalam a doutrina (cfr. Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição Portu- guesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra, 2010, pp. 1246 e seguintes) e a jurisprudência do Tribunal, designadamente o Acórdão n.º 374/03: “[…] 2.3.1. Assinalam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira ( Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pág. 331) que «o espaço semântico-constitucional do direito de pro- priedade não se limita ao universo das coisas, não coincidindo com o conceito civilístico tradicional, abrangendo, não apenas a propriedade de coisas (mobiliárias e imobiliárias) mas também a propriedade científica, literária ou artística (artigo 42.º, n.º 2) e outros direitos de valor patrimonial (direitos de autor, direitos de crédito, direitos sociais), etc.». Também este Tribunal Constitucional tem, por diversas vezes, adotado uma conceção ampla do direito de propriedade privada referido no artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa, designadamente a propósito dos juízos de inconstitucionalidade da norma do artigo 300.º, n.º 1, do Código de Processo Tributário, na parte em que estabelecia o regime de impenhorabilidade total dos bens anteriormente penhorados pelas repartições de finanças em execuções fiscais, e que culminaram com a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucio- nalidade dessa norma, constante do Acórdão n.º 451/95 ( Diário da República , I Série-A, n.º 178, de 3 de agosto de 1995, pág. 4928; Boletim do Ministério da Justiça, Suplemento ao n.º 451, pág. 303; e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 31.º vol., pág. 129), no qual se reconheceu que da garantia constitucional do direito de propriedade há de, seguramente, extrair-se a garantia do direito do credor à satisfação do seu crédito e este direito há de, naturalmente, conglobar a possibilidade da sua realização coativa, à custa do património do devedor . […]” (itálico acrescentado). A admissibilidade da restrição de um direito constitucionalmente protegido por uma norma que visa dar cumprimento a outro(s) valor(es) constitucionalmente relevante(s) (cfr., no caso, os artigos 20.º, n. os 4 e 5, da Constituição) só pode aferir-se mediante um juízo de proporcionalidade (cfr. o artigo 18.º, n. os 2 e 3, da Constituição). Nas palavras do Acórdão n.º 658/06:

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