TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
191 acórdão n.º 332/19 23. Sendo que, nos Estatutos de outros servidores da justiça, é fácil encontrar diversos critérios legais que ser- vem de arrimo à Administração decisora (desde a inconveniência para o serviço ou para o apuramento da verdade, mas passando sempre pela prática de “infração punível com sanção de suspensão ou superior”, de “graves infrações disciplinares” ou de crime punível “com pena superior a 3 anos de prisão” ou de “pena de transferência”). 24. No caso da norma em questão do EAJ, nada disso sucede: sabemos o que interessa para implementar a medida (basta haver processo e receio de ocorrência de factos ilícitos), mas pouco ou nada sabemos sobre o que interessa para a decidir. 25. Deste modo, tanto um arguido num processo por delito gravemente desonroso como o arguido por uma bagatela disciplinar, pode ser objeto desta medida cautelar, desde que “seja necessário”, no entendimento obscuro da Administração. 26. Não valendo, naturalmente, os considerandos da Recorrida acerca da alegada finitude desta medida de sus- pensão, quando sustenta que a mesma é delimitada temporalmente, tendo como termo final a decisão do processo disciplinar ou contraordenacional. 27. Salvo o merecido respeito, este é… um não critério, amplamente vago e abstrato, variável de caso para caso, afigurando-se, assim, contrário às fundamentais garantias do arguido, que pressupõem que o mesmo conheça, com exatidão e clareza, quais os termos da aplicação de uma medida gravosa preventiva ou punitiva (entre o mais, cfr. artigo 32.º da CRP). 28. É que, pese embora se reconheça que as medidas cautelares ou preventivas têm uma relação de dependência com o decurso do processo disciplinar ou contraordenacional (posto que, visam, assegurar, entre o mais, que a descoberta da verdade material a que tendem os mesmos não sofra perturbações), estas não podem ser de duração incerta ou interminável. 29. Com efeito, confrontando-se os interesses subjacentes à aplicação destas medidas com os princípios fun- damentais da presunção da inocência e da proporcionalidade, estes últimos ditam, de modo absolutamente derra- deiro e perentório, que a certeza e a segurança jurídica deva prevalecer na sua aplicação. 30. E isto, ainda que possam corresponder ao risco do suposto infrator cometer novas infrações, pois não se pode olvidar que o processo disciplinar pode culminar, tanto numa punição como numa absolvição, e, culminando numa absolvição, não há valor constitucional que justifique a desmesurada manutenção do inocente em arrasadora suspensão de funções – sendo aqui de relembrar a velha máxima de Voltaire, de que “é melhor correr o risco de salvar um homem culpado do que condenar um inocente”. 31. Doutra via, refere ainda a Recorrente que a falta de fixação de um prazo certo tem por justificação o facto do arguido poder continuar a exercer outras atividades, dada a não exclusividade do exercício de funções de admi- nistrador judicial. 32. Salvo o merecido respeito, esta alegação é absurda e atenta gravemente contra o princípio da liberdade de exercício da profissão (cfr. artigos 2.º, 18.º, 47.º e 61.º, n.º 1 da CRP) – note-se, pois, que o recorrido é admi- nistrador judicial há mais de 36 anos, e desde há 15 anos que se dedica praticamente em exclusivo a essa mesma profissão, não sabendo fazer outra – cfr. autos a fls. . 33. Como é sabido, o princípio da liberdade de exercício da profissão pressupõe que cada indivíduo possa escolher livremente uma profissão e, bem assim, que possa exercer livremente a sua profissão, o que in casu está a ser absolutamente vedado ao Recorrido. 34. Em suma, a norma constante da al. a) do n.º 1 do artigo 18.º do EAJ é inconstitucional por afronta grosseira ao princípio da proibição do arbítrio e do princípio de legalidade (cfr. artigos 2.º, 13.º, 18.º, 19.º, n.º 1, 32.º e 266.º da CRP), à garantia de presunção de inocência e ao estruturante princípio da proporcionalidade (cfr. artigos 2.º, 18.º, 19.º, n.º 1 e 32.º da CRP) e ainda ao direito constitucional de exercício da profissão (cfr. artigos 2.º, 13.º, 18.º, 19.º, n.º 1, 47.º, 61.º, n.º 1 e 266.º da CRP). 35. Pelo que devem improceder as alegações das Recorrentes, e consequentemente, deve ser julgada incons- titucional a al. a) do n.º 1 do artigo 18.º do EAJ, mantendo-se a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo .
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