TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

182 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL do princípio da autonomia do processo disciplinar relativamente ao processo penal (cfr. artigos 179.º, n.os 3 e 4, da LGT), e que tem, entre outras, as seguintes consequências: (a) é possível a aplicação de duas sanções – a disciplinar e a criminal – sem violação do princípio non bis in idem ; (b) o caso julgado absolutório penal não impede que os mesmos factos sejam considerados provados em matéria disciplinar; (c) a Administração não está vinculada aos resultados probatórios obtidos em processo-crime, podendo decidir, segundo a sua livre con- vicção, em termos divergentes do caso julgado penal; (d) sendo imputado ao arguido em processo disciplinar os mesmos factos que constituem matéria de acusação em processo-crime, não há motivo para a suspensão do procedimento até que seja proferida decisão final no processo-crime (sobre todas estas questões, cfr. os acór- dãos do TC n. os 161/95 e 263/94 e os acórdãos do STA de 12 de maio de 2005, Processo n.º 930/04, de 4 de dezembro de 1997, Processo n.º 36390, de 21 de maio de 2008, Processo n.º 989/07, de 21 de janeiro de 2011, Processo n.º 1079/09, de 14 de outubro de 1993, Processo n.º 31885 e de 9 de maio de 1995, Processo n.º 35837). Nada justifica, por conseguinte, mesmo à luz do princípio da proporcionalidade (numa dimensão da necessidade), que, em benefício dos interesses funcionais dos serviços, se verifique a suspensão do exercício de funções por efeito de um ato processual penal, quando está na disponibilidade da Administração, inde- pendentemente da prossecução do processo penal e da decisão final que nele venha a ser proferida, decretar uma medida cautelar instrumental de idêntico alcance e pela qual é possível atingir as mesmas finalidades de prevenção geral.’ Recorde-se que a medida de suspensão de suspensão de funções decidida pela Ré dura há mais de um ano e acresce à que lhe foi aplicada em sede do processo de inquérito criminal. Com efeito uma medida de tal ordem, que não encontra semelhança no espectro jurídico de normas de suspensão do exercício de funções, a perpetuar-se no tempo, como a que aqui vem impugnada, viola o princípio da presunção da inocência e da proporcionalidade, atento o seu carater transitório, que não de sanção . Assim, o artigo 18 . º, n . º 1, alínea a), do Estatuto do Administrador Judicial, aprovado pela Lei n . º 22/2013, de 26 de fevereiro, na redação que lhe foi dada pela Lei n . º 17/2017, de 16/05, afigura-se materialmente inconstitucional, por ofensa aos princípios constitucionais da presunção da inocência e da proporcionalidade . Consequentemente, aderindo, no que à economia dos presentes autos aproveita, aos fundamentos do Acórdão do Tribunal Constitucional n . º 62/16, será de desaplicar ao caso dos presentes autos, a norma contida no 18 . º, n . º 1, alí- nea a), do Estatuto do Administrador Judicial, aprovado pela Lei n . º 22/2013, de 26 de fevereiro, na redação que lhe foi dada pela Lei n . º 17/2017, de 16/05, por violadora dos princípios constitucionais da presunção da inocência e da proporcionalidade e em face do que se mostra inútil a apreciação dos demais vícios invocados e atinentes à declaração de inconstitucionalidade quer da norma do artigo 18 . º, n . º 1, al . a) do Estatuto dos Administradores Judiciais, quer ainda da decisão impugnada . E por assim ser, a Ré, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 2, do Estatuto do Administrador Judicial, sempre pode- ria lançar mão do disposto no artigo 211.º, n.º 1, da Lei do Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 73/2017, de 16/08. Do n.º 1 desse artigo 211.º, resulta que “O trabalhador pode, sob proposta da entidade que tenha instaurado o procedimento disciplinar ou do instrutor, e mediante despacho do dirigente máximo do órgão ou serviço, ser preventivamente suspenso do exercício das suas funções, sem perda da remuneração base, até decisão do procedi- mento, mas por prazo não superior a 90 dias, sempre que a sua presença se revele inconveniente para o serviço ou para o apuramento da verdade.” De todo o modo o ato impugnado, por efeito desta norma, mostra-se ilegal, porquanto, dele não resulta um limite temporal da vigência da medida de suspensão provisória de funções do Autor . À luz disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CPA, “São anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção.”

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