TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

180 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ora, fundando-se a suspensão de funções cominada no n.º 1 do artigo 6.º do Estatuto Disciplinar (-) na «defesa do prestígio dos serviços» (-), sendo ela consequência de «despacho de pronúncia em processo de querela com trânsito em julgado» e determinando tal suspensão apenas a suspensão do «vencimento de exercício» – que é constituído por um sexto do vencimento total (-), não se afigura que com ela saia violado o princípio da propor- cionalidade. Poderá dizer-se que as considerações de índole funcional que, na perspetiva desse acórdão, podem justificar o afastamento do serviço efetivo em relação ao trabalhador em funções públicas, por efeito da prolação do despacho de pronúncia em processo-crime, valem por maioria de razão para os agentes dos serviços e das forças de segurança. Desde logo, porque esses agentes dispõem de um estatuto jurídico-constitucional próprio. O artigo 270.º da Constituição, na redação introduzida pela revisão constitucional de 2001, ainda que inserido no título referente à Administração Pública – o que permite pressupor a sua aplicação a uma categoria de pessoas que se integram ainda no conceito de trabalhadores da Administração Pública –, consagra expressamente, na estrita medida das exigências das suas funções próprias, a possibilidade de a lei estabelecer restrições a alguns direitos, liberdades e garantias, em relação a «militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efetivo», bem como «agentes dos serviços e das forças de segurança», embora com alguma diferença de grau entre estas diferentes categorias. O que tem também reflexo, no que diz respeito ao pessoal policial, no respetivo estatuto profissional, que é caracterizado, não apenas pela restrição a alguns direitos e liberdades, mas também pela sujeição a um conjunto de princípios orientadores e deveres especiais, que justificam o reconhecimento da sua especificidade face aos demais trabalhadores da Administração Pública. O que permite compreender que o pessoal policial, para além da sujeição aos deveres gerais aplicáveis aos trabalhadores que exercem funções públicas, se encontre também subordinado a um código deontológico próprio e a estatuto disciplinar especial (artigos 4.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 299/2009, de 14 de outubro). Condicionamentos estes que estão associados naturalmente às atribuições próprias da PSP, entre as quais, se destaca a prevenção da criminalidade em geral e o desenvolvimento de ações de investigação criminal e contraordenacional [artigo 2.º, n.º 2, alíneas c) e e) , da Lei n.º 53/2007, de 31 de agosto]. A medida de suspensão automática de funções, em consequência da emissão do despacho de pronúncia em processo-crime instaurado contra um agente da PSP, pode ser encarada, por isso, como uma medida cautelar desti- nada a preservar, independentemente de qualquer outra ponderação, a integridade e o prestígio da função policial na sua relação com os cidadãos e o público em geral. Como se assinalou no Acórdão n.º 123/92, o princípio da presunção da inocência do arguido não proíbe a antecipação de certas medidas cautelares e de investigação, e, como no caso do processo disciplinar, a suspensão provisória do exercício de funções. A questão que no caso vertente se coloca é que uma tal medida surja como efeito automático da prolação do despacho de pronúncia, sem qualquer ponderação de um juízo de necessidade no contexto do caso concreto. A sujeição do arguido a uma medida, ainda que de natureza cautelar, que se baseie num juízo de probabilidade de futura condenação viola prima facie o princípio da presunção de inocência que se encontra constitucionalmente garantido até à sentença definitiva, pois que é aplicada com o exclusivo fundamento numa presunção de culpabi- lidade. Por outro lado, não parece que uma tal medida, ainda que encontre a sua razão de ser em considerações de ordem funcional, se mostre justificada à luz do ordenamento jurídico, sendo possível divergir, neste estrito plano, do juízo que genericamente foi formulado no citado Acórdão n.º 439/87. (…) Por outro lado, a possibilidade de aplicação da suspensão preventiva por iniciativa da entidade administra- tiva que ordene a instauração do processo disciplinar, ou, no decurso desse processo, por proposta do instrutor (n.º 2) – e ainda que se encontre pendente um processo-crime pelos mesmos factos –, é a necessária decorrência do princípio da autonomia do processo disciplinar relativamente ao processo penal (cfr. artigos 179.º, n. os 3 e 4, da LGT), e que tem, entre outras, as seguintes consequências: (a) é possível a aplicação de duas sanções – a disci- plinar e a criminal – sem violação do princípio non bis in idem ; (b) o caso julgado absolutório penal não impede que os mesmos factos sejam considerados provados em matéria disciplinar; (c) a Administração não está vinculada

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