TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

16 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL sentido se não o de estipular a criação, também para este segundo conjunto de trabalhadores, daquele suplemento remuneratório; deste ponto de vista, o regime constante do decreto constituirá disciplina vinculativa para os órgãos autárquicos da Região Autónoma da Madeira, originando direta e imedia- tamente para eles o correlato dever de pagamento do suplemento remuneratório criado (neste caso, também) para os respetivos trabalhadores, sempre que se verifiquem as condições estipuladas para a sua atribuição de acordo com os montantes ali estabelecidos. IV - Todavia, o n.º 2 do artigo 1.º do decreto em apreciação pode ter um outro alcance, podendo entender- -se que, ao sujeitar a “deliberação expressa do órgão municipal competente” a aplicação aos trabalha- dores equiparados da administração pública local do suplemento remuneratório de risco e penosidade instituído no decreto, ao invés de criar a referida componente remuneratória também para aqueles trabalhadores, está, na verdade, a atribuir aos órgãos municipais competentes o poder de a criar, ainda que apenas nas condições e termos definidos pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, perguntando-se, neste caso, se esta Assembleia pode atribuir aos órgãos dos municípios da Região a competência para criar para os respetivos trabalhadores o suplemento remuneratório de risco e penosidade, ainda que vinculada aos pressupostos e montantes definidos no decreto. V - O propósito do legislador de revisão constitucional (2004) foi, quanto à matéria prevista na alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, o de manter a conformação do “estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais”, na esfera de competência legislativa dos órgãos de soberania (Assembleia da República e Governo, mediante autorização parlamentar), sem possibilidade de interferência, sequer mediante autorização daquela Assembleia, do poder legislativo regional; ao reservar à Assembleia da República a definição do “estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais”, sem limitação às “bases gerais” ou ao “regime geral” daquele estatuto, a alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição comete, à partida, à lei parlamentar a definição de todo o regime daquela matéria; na arquitetura dos poderes que integram o Estado unitário e na correlação entre eles estabelecida, o princípio constitucional da autonomia local, assume, nos termos da própria Constituição, uma vertente garantística. VI - Nesta sua vertente garantística, o princípio constitucional da autonomia local desempenha uma dupla função: a primeira diz respeito à relação entre a administração central do Estado, direta ou indireta, e as autarquias locais; a segunda dimensão prende-se com a relação das autarquias locais entre si e de cada uma delas com a região autónoma correspondente, no caso de aí se encontrar sediada; ao colocar sob reserva relativa de competência da Assembleia da República a definição do “estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais” e, sobretudo, ao excluir a possibilidade de nele interferirem, ainda que mediante autorização daquela, as Assembleias Legislativas Regionais, a Constituição assegura que as autarquias locais de todo o território nacional se encontrarão sujeitas a um só e mesmo regime, quer quanto à «sua organização», «atribuições» e «competências dos seus órgãos», quer ainda quanto à «estrutura dos seus serviços», ao «regime dos seus funcionários» e ao «regime das finanças locais». VII - A exclusão da possibilidade de as Assembleias Legislativas Regionais concorrerem na conformação do estatuto das autarquias locais da respetiva região, incluindo o regime dos seus funcionários, não é suscetível de afetar a autonomia regional, tal como a perspetiva o artigo 225.º da Constituição; o que tal exclusão evidencia é que, do ponto de vista jurídico-constitucional, autonomia regional e autono- mia local são conceitos autónomos, não aglutinadores ou sequer sobreponíveis; correspondem-lhes realidades normativa e organicamente diferenciadas, que se relacionam entre si como dois círculos

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