TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

139 acórdão n.º 298/19 circunstâncias e assumindo a aplicação do princípio da proporcionalidade uma dimensão casuística. Isto mesmo tem sido admitido pela jurisprudência deste Tribunal, no próprio processo penal, em determinadas circunstâncias ( v . g . , a obrigatoriedade de realização de determinados exames ou diligências que exijam a colaboração do arguido) e no âmbito da regulação económica e social do Estado, como também reconhece o Acórdão que fez vencimento. Ora, o combate à evasão fiscal tem de implicar, não só uma imposição de colaboração acrescida aos con- tribuintes, mas uma ampla margem aos tribunais na utilização dos meios de prova. A Constituição tem de ser vista como uma unidade e os recursos económicos que escapam aos cofres do Estado, por incumprimento da lei, deixam de poder ser aplicados em tarefas fundamentais do Estado em benefício da coletividade. No contexto do caso dos autos, em que está em causa uma pessoa coletiva que movimenta valores elevados e em que o perigo de evasão fiscal é também elevado, entendo ser constitucionalmente admissível a utilização de documentos fiscalmente relevantes como meio de prova, entregues à inspeção tributária, ao abrigo de um dever de cooperação, mesmo estando pendente inquérito de um processo crime. Em face dos bens jurídicos em causa no combate à evasão fiscal no domínio dos crimes fiscais, entendo que a restrição em causa, neste caso concreto, respeita o critério da proporcionalidade, porque é adequada, isto é, constitui um meio idóneo para a prossecução de interesses públicos merecedores de proteção constitucional, e necessária, correspon- dendo a um meio exigível para obter o fim da eficiência do sistema fiscal e da justa distribuição da riqueza, objetivo que não se mostra alcançável através de mecanismos alternativos, os quais se podem revestir de excessiva onerosidade para a administração tributária, quer pelo dispêndio de recursos e de tempo, quer pelo risco de ineficácia, face à complexidade das situações a que têm de responder os modernos sistemas fiscais. – Maria Clara Sottomayor . DECLARAÇÃO DE VOTO Votei o Acórdão por concordar inteiramente com a decisão: julgar inconstitucional a norma por vio- lação do princípio nemo tenetur si ipsum accusare . Segundo o qual, em processo penal, ninguém pode ser coercivamente obrigado a contribuir ativamente para a sua condenação. Isto sem prejuízo de entender que este mesmo resultado final poderia – e deveria – alcançar-se no con- texto de um outro paradigma de compreensão e conjugação dos dispositivos constitucionais pertinentes e aplicáveis. Um paradigma alternativo que reputo mais consistente doutrinalmente e mais ajustado norma- tivamente. E, como tal, capaz de oferecer resposta à generalidade dos problemas emergentes nas áreas de concorrência, convergência – e conflitualidade – entre o direito tributário e o direito processual penal de étimo acusatório. Isto é, um paradigma que, para além de satisfazer integralmente os valores, os interesses e as reivindicações legítimas do direito tributário (tanto material-substantivo como adjetivo-procedimental), assegure ao mesmo tempo a satisfação irrestrita das exigências do privilege against self-incrimination. Importa, nesta linha e em primeiro lugar, perspectivar o nemo tenetur como uma figura ou instituto do processo penal – e operados os ajustamentos devidos, dos demais processos sancionatórios – que em nada é tocado pelo cumprimento das obrigações de colaboração/verdade que o moderno direito tributário faz impender sobre o contribuinte. Não fazendo, a meu ver, sentido levar à balança da ponderação e da propor- cionalidade os valores/interesses inerentes ao sistema tributário como contrapostos aos valores/interesses da justiça criminal mediatrizados pelo nemo tenetur . E a ditar, sendo caso disso, o recuo ou o sacrifício das exi- gências do nemo tenetur . Os problemas associados ao privilégio contra a autoincriminação são problemas de índole exclusivamente processual-penal. Só se colocam quando, num segundo e ulterior momento, se opera uma mudança de fim. Isto é, quando os meios de prova obtidos no procedimento tributário à custa das obri- gações tributárias de colaboração/verdade chegam ao processo penal e aí reivindicam a valoração como meios de prova. Provocando, como resposta, uma inultrapassável proibição de valoração, ditada precisamente pelo

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