TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

138 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL durante a fase de inquérito de um processo criminal pela prática de crime fiscal movido contra o contribuinte inspecionado e sem o prévio conhecimento ou decisão da autoridade judiciária competente, podem ser uti- lizados como prova no mesmo processo». Em primeiro lugar, deve notar-se que a interpretação normativa agora fiscalizada foi reconstruída pelo Tribunal Constitucional, no acórdão que fez vencimento, tendo sido acrescentado o preceito relativo aos métodos proibidos de prova – o artigo 126.º, n.º 2, alínea a) do CPP – ao arco legislativo, composto pelos artigos 61.º, n.º 1, alínea d) e 125.º, ambos do CPP, tal como tinha sido enunciado pelo Recorrente na alínea b) da resposta ao despacho do relator que o notificou para ao abrigo do artigo 75.º-A, n. os 1 e 2, da LTC, indicar a decisão recorrida, a norma a fiscalizar e o parâmetro constitucional violado. Tal como entende o Ministério Público, no seu parecer apresentado junto deste Tribunal, os elemen- tos que permitiriam distinguir a interpretação normativa fiscalizada nestes autos, enunciada na questão de constitucionalidade colocada na citada alínea b) da resposta do recorrente (e a única que reunia requisitos de admissibilidade), e aquela que foi fiscalizada no Acórdão n.º 340/13, são meramente fácticos, reportando- -se ao momento da instauração do inquérito de um processo penal. Acrescente-se, ainda, que as referências feitas, na fundamentação do Acórdão que fez vencimento, à «deslealdade grave» e à «má fé» da inspeção tri- butária na recolha dos documentos são deduzidas do próprio sistema, que permite que a inspeção tributária funcione como órgão de polícia penal, mas não estão comprovadas no processo e assumem uma natureza meramente hipotética, tanto que nem foram incluídas na interpretação normativa construída pelo acórdão para o efeito de definição do objeto do recurso. A tese vencedora reconstruiu a interpretação normativa, de forma a abranger não exclusivamente o dever de entrega de documentos no âmbito de um procedimento de inspeção, mas a «utilização como prova em processo penal de documentos que foram facultados pelo suspeito – ou já arguido – ou obtidos pela Administração fiscal no decurso de uma inspeção em que o mesmo, na sua qualidade de contribuinte, se encontra sujeito a deveres de cooperação nos termos anteriormente referidos», num quadro em que a inspeção tributária funciona como entidade que reúne poderes de fiscalização administrativa e poderes de investigação criminal, e em que se presume assumir, no caso concreto, este duplo papel. Diferentemente, entendo que o elemento decisivo para aferir do juízo de constitucionalidade da norma impugnada reside na circunstância de os documentos terem sido obtidos ao abrigo do dever de cooperação com a inspeção tributária, dentro da teleologia própria deste dever e da relevância constitucional dos fins ser- vidos por tal atividade inspetiva, num quadro jurídico-constitucional em que o cumprimento das obrigação de pagar impostos é um meio essencial à realização das tarefas do Estado de direito social, à igualdade entre os contribuintes e à redistribuição dos rendimentos e da riqueza. Considero, portanto, que as diferenças encontradas entre a interpretação normativa agora fiscalizada e aquela que foi fiscalizada no Acórdão n.º 340/13, porque meramente fácticas e não normativas, não permi- tem um juízo de constitucionalidade diferenciado. 2. Por outro lado, e mesmo considerando como válida a interpretação normativa construída pelo Acór- dão que fez vencimento, a minha posição seria também favorável a um juízo de não inconstitucionalidade da mesma. Pese embora o direito ao silêncio e à não autoincriminação seja um princípio fundamental implícito, incluído nas garantias de defesa do arguido próprias do processo penal (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição; Acórdãos n. os 695/95, 461/11 e 340/13), entendo que ele se reporta, por excelência, no seu núcleo funda- mental, à oralidade processual, representando a entrega de documentos uma zona periférica do princípio, caraterizada como menos valiosa em termos axiológicos, porque se trata, no domínio do combate à evasão fiscal, de documentos que o contribuinte, de qualquer forma, tem o dever de fornecer à Administração Tri- butária, se atuar de acordo com a boa fé que lhe é exigível. Não sendo o princípio do nemo tenetur se ipsum accusare um princípio absoluto, como reconhece a jurisprudência deste Tribunal, tal significa que pode sofrer restrições e ser objeto de juízos de ponderação em função da preponderância de outros valores constitucionalmente protegidos, dentro de determinadas

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