TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

137 acórdão n.º 298/19 Porém, como o próprio TEDH assinalou, desde logo no acórdão Jalloh, cit. , § 113 (referente precisa- mente à obtenção de prova material, com uma existência independente da vontade do suspeito), há que dar relevo ao desrespeito da vontade do acusado e à utilização deste como fonte de elementos de prova de uma infração por si cometida. Foi o que sucedeu, por exemplo, nos casos Funke (§ 44: recusa de entrega de extra- tos de contas bancárias) e J.B. c. Suíça (§§ 66 e 68: recusa entrega de documentos referentes a empresas). Ou seja, a obtenção coerciva de prova documental através da colaboração ativa do acusado, no sentido material e específico que lhe é dado pelo TEDH (cfr. supra o n.º 12), ainda que se trate de documentos preexistentes ou pré-constituídos e que, portanto, não careçam de ser produzidos na sequência da intimação ou por causa dela, também se inclui no âmbito de proteção do direito à não autoincriminação. Em qualquer caso, e conforme referido anteriormente (cfr. supra os n. os 10 e 11), o âmbito de proteção do nemo tenetur deve ser determinado em função da sua teleologia, que não depende da natureza dos meios de prova, mas da necessidade de salvaguardar a autodeterminação do arguido na condução da defesa face à acusação da prática de uma infração. III – Decisão Nestes termos, decide-se: a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare , ínsito no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República portuguesa, a interpretação normativa dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d) , 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a) , todos do Código de Processo Penal, segundo a qual os documentos fiscalmente relevantes obtidos ao abrigo do dever de cooperação previsto no artigo 9.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira e no artigo 59.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária por uma inspeção tributária realizada a um contribuinte, durante a fase de inquérito de um processo criminal pela prática de crime fiscal movido contra o contribuinte inspecionado e sem o prévio conhecimento ou decisão da autoridade judiciária com- petente, podem ser utilizados como prova no mesmo processo; E, em consequência, b) Conceder provimento ao recurso e determinar a reforma da decisão recorrida de acordo com o precedente juízo de inconstitucionalidade. Sem custas. Lisboa, 15 de maio de 2019. – Pedro Machete – Mariana Canotilho – Fernando Vaz Ventura – Maria Clara Sottomayor (vencida de acordo com a declaração que junto) – Manuel da Costa Andrade (com decla- ração). DECLARAÇÃO DE VOTO Voto vencida, quer na interpretação normativa a fiscalizar, quer na decisão quanto ao juízo de inconsti- tucionalidade proferido, pelas seguintes razões: 1. O objeto do presente recurso, tal como definido pelo Acórdão que fez vencimento, é a interpretação normativa dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d) , 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a) , todos do Código de Processo Penal, segundo a qual os documentos fiscalmente relevantes obtidos ao abrigo do dever de cooperação pre- visto no artigo 9.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira e no artigo 59.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária por uma inspeção tributária realizada a um contribuinte,

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=