TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
134 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL tributária venha a obter, à sua custa, a prova que sustenta a acusação por crime fiscal, ou de recusar a colaboração, sujeitando-se a ser sancionado com a aplicação da correspondente pena ou coima por essa falta de colaboração, podendo legitimamente recusá-la, nos casos e termos acima referidos, o que constitui uma primeira válvula de escape que atenua as exigências decorrentes do dever de colaboração. Além disso, assistirá também ao contribuinte sujeito a fiscalização, o direito a requerer a sua constituição como arguido, sempre que estiverem a ser efetuadas diligências destinadas a comprovar a suspeita da prática de um crime, nos termos do artigo 59.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o que permitirá que este passe a dispor dos direitos inerentes ao respetivo estatuto, designadamente o direito à não autoincriminação. Finalmente, a utilização como prova em processo penal de documentos obtidos na atividade de fiscalização tributária, não deixará de ser proibida, nos termos do artigo 126.º, n.º 2, a) , do Código de Processo Penal, quando se revele que a entidade fiscalizadora tenha desencadeado ou prolongado deliberadamente a fase inspetiva, com a finalidade de recolher meios de prova para o processo penal a instaurar, abusando do dever de colaboração do contribuinte. Assim, numa ponderação entre o princípio nemo tenetur se ipsum accusare e a restrição que ao mesmo é imposta no caso concreto e os valores constitucionais que se pretendem salvaguardar com essa restrição, é de entender que a mesma não se revela desproporcionada.» (itálicos adicionados). 17. É evidente que, numa situação como a dos presentes autos em que está em causa a inspeção ao con- tribuinte realizada quando já corre contra ele um inquérito criminal tendo em vista a comprovação de factos que consubstanciam um crime fiscal, a própria ideia de “mecanismos flanqueadores” é, em si mesma, muito discutível. Com efeito, encontrando-se pendente o processo criminal, é no respetivo quadro que as respostas para a utilização no mesmo de documentos previamente obtidos ao abrigo do dever de colaboração têm de ser encontradas. Com referência a tais documentos, já nada há para “flanquear”: a única questão a esclarecer é a de saber se os mesmos podem ser utilizados ou não. De todo o modo, sempre se poderá entender, numa perspetiva ex ante relativamente à entrega dos docu- mentos, que a oposição à inspeção com fundamento na salvaguarda dos direitos de defesa no processo penal e o exercício do direito de ser constituído arguido só seriam verdadeiramente eficazes, caso: (i) a inspeção tributária não pudesse ser realizada a um contribuinte que seja arguido num processo penal tributário em que os mesmos factos estejam em discussão; ou (ii) os materiais incriminatórios obtidos nessa inspeção não pudessem ser utilizados depois no processo penal movido contra o contribuinte inspecionado. Contudo, e no que se refere ao primeiro aspeto, é a própria lei a admitir a tramitação simultânea de um procedimento de inspeção e de um processo penal tributário relativamente ao mesmo contribuinte e tendo por objeto a situação atinente aos mesmos factos tributários (cfr. supra o n.º 14, a propósito do artigo 42.º, n. os 2 e 4, do RGIT). Prosseguindo a inspeção, a mesma deve continuar dotada das mesmas garantias de eficácia e, por conseguinte, o dever de cooperação mantém-se ou pode manter-se, nos termos do artigo 63.º, n. os 5 e 6, da LGT. Questão diferente é a da possibilidade de utilização, como prova no processo penal tribu- tário a correr paralelamente, da documentação entregue pelo próprio contribuinte no cumprimento do seu dever de colaboração num momento em que em relação ao mesmo contribuinte já existem indícios de que cometeu um crime fiscal – designadamente, os indícios consubstanciados na notícia do crime justificativa da instauração do inquérito contra esse contribuinte. Mas esse problema corresponde justamente ao objeto da questão de constitucionalidade suscitada no presente recurso: saber se tal utilização, nas circunstâncias descritas, ainda é legítima ou não deverá ser considerada inadmissível por força do nemo tenetur . Por outro lado, uma vez que a Administração fiscal não poder desconhecer, enquanto órgão e autori- dade de polícia criminal, a pendência de um inquérito criminal contra o contribuinte inspecionado (cfr. o artigo 35.º do RGIT), a eventual omissão de comunicação da mesma ao visado representa objetivamente uma deslealdade grave e contrária à boa fé que deve pautar o relacionamento entre a Administração e os contribuintes no quadro das relações tributárias formais (cfr. o artigo 59.º, n.º 2, da LGT), porquanto o risco de instrumentalização da colaboração do contribuinte é elevadíssimo: os documentos disponibilizados
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