TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

132 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL tributária, no cumprimento do referido dever, como prova em procedimento criminal deduzido com fundamento nos resultados da referida inspeção, implica uma compressão do princípio nemo tenetur se ipsum accusare . Tendo presente que, no campo tributário, a realidade sob fiscalização da administração estadual coincide, pelo menos parcialmente, com os elementos fácticos que integram os tipos incriminadores e que os poderes de fiscali- zação das situações tributárias dos contribuintes e os poderes de investigação no âmbito de processos de natureza penal, neste domínio, estão, no nosso ordenamento jurídico, atribuídos pela lei às mesmas entidades [cfr. artigos 40.º, n.º 2, 41.º, n.º 1, alíneas a) e b) 52.º e 59.º do RGIT], há o risco de que a atividade inspetiva funcione como uma antecâmara do processo penal, sendo no seu decurso que são recolhidos os elementos que motivam a instau- ração de um procedimento criminal.» E as consequências então retiradas valem igualmente no caso sub iudicio : «Daí que tenha justificação que o princípio nemo tenetur se ipsum accusare ultrapasse as barreiras formais do processo penal e que, nestes casos, se estenda a esta interação entre o processo inspetivo e o processo penal, embora a proteção conferida por este princípio tenda a relativizar-se, cedendo mais facilmente no confronto com outros princípios, direitos ou interesses merecedores de tutela, que têm de ser harmonizados em concreto, por meio de uma compatibilização ou concordância prática, dado intervir em zona periférica da sua área de atuação. Sendo certo que a imposição aos contribuintes de deveres de cooperação com a administração tributária, que poderá incluir a entrega, a solicitação desta, de documentos que, depois, num processo de natureza sancionatória penal, possam ser usados contra esses próprios contribuintes, constitui uma compressão do princípio nemo tenetur se ipsum accusare , que se traduz numa restrição não desprezível daquele princípio, importa apreciar se tal restrição é ou não constitucionalmente aceitável. A resposta a essa questão terá de passar pela verificação dos pressupostos enunciados no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, como condição da admissibilidade de restrições a direitos, liberdades e garantias: estarem essas res- trições previstas em lei prévia e expressa, de forma a respeitar a exigência de legalidade e obedecerem tais restrições ao princípio da proporcionalidade, tendo como finalidade a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitu- cionalmente garantidos.» No fundo, está em causa apreciar a legitimidade de restrições ao princípio nemo tenetur se ipsum accusare anteriormente discutida (cfr. supra o n.º 12), agora com referência aos deveres de cooperação legalmente previstos no âmbito do procedimento de inspeção tributária e a documentos disponibilizados ou obtidos no seu decurso. Recorde-se, de todo o modo, que, na situação subjacente à apreciação feita naquele Acórdão, os docu- mentos em causa foram obtidos em resultado de uma inspeção realizada antes de estar indiciada a prática de qualquer crime fiscal e, portanto, antes de ter sido instaurado o correspondente inquérito criminal. 16. A aludida «compressão do princípio nemo tenetur se ipsum accusare » e a consequente admissibili- dade da utilização como prova em processo penal fiscal dos documentos obtidos em resultado da inspeção tributária foi considerada constitucionalmente admissível, atento um juízo positivo quanto à verificação dos requisitos de legitimidade das restrições a direitos, liberdades e garantias. Desde logo, a restrição em análise, consubstanciada no dever de cooperação com a inspeção tributária, encontra-se prevista em lei geral e abstrata (cfr. as referências aos artigos 59.º e 63.º da LGT e aos artigos 28.º e 29.º do RCPITA, supra no n.º 14). Acresce que, como igualmente referido: (i) a inspeção tributária, entre outras finalidades, «visa [também] a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a preven- ção das infrações tributárias», compreendendo, por isso, a «promoção, nos termos da lei, do sancionamento das infrações tributárias e «[q]uaisquer outras ações de averiguação ou investigação de que a Administração tributária seja legalmente incumbida» [cfr. o artigo 2.º, n. os 1 e 2, alíneas i) e l) , do RCPITA]; e (ii) os poderes de investigação criminal relativamente a crimes fiscais são legalmente atribuídos a serviços da Administração

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