TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

131 acórdão n.º 298/19 Deste modo, na fase de inquérito de um processo pela prática de crime fiscal movido contra certo con- tribuinte, a Administração tributária que realiza uma inspeção ao mesmo contribuinte não pode desconhecer que este último também está a ser investigado em ordem a determinar a sua responsabilidade pela prática dos factos correspondentes a tal crime. Daqui não decorre, todavia, uma necessária absorção da atividade de inspeção tributária pelo processo criminal ou a perda de autonomia de ambos os procedimentos. Pelo contrário, os n. os 2 e 4 do artigo 42.º do RGIT pressupõem a sua tramitação simultânea: «2 – No caso de ser intentado procedimento ou processo tributário em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos, não é encerrado o inquérito enquanto não for praticado ato definitivo ou proferida decisão final sobre a referida situação tributária […].» «4 – Não serão concluídas as investigações enquanto não for apurada a situação tributária ou contributiva da qual dependa a qualificação criminal dos factos […].» Nas situações mais comuns, adquirida a notícia do crime pela Administração fiscal no decurso de uma inspeção tributária, deve ser instaurado o pertinente inquérito e esse facto deve ser «de imediato» comuni- cado ao Ministério Público, conforme previsto no artigo 40.º, n.º 3, do RGIT. A inspeção no âmbito da qual foi adquirida a notícia do crime fiscal deve prosseguir: «[O] n.º 2 do art. 42.º [do RGIT] dispõe que o inquérito não será encerrado enquanto não for praticado ato definitivo ou proferida decisão final sobre a situação tributária, suspendendo-se mesmo o prazo para a conclusão do inquérito. Parece, por isso, que o procedimento de inspeção prossegue para apuramento da situação tributária do arguido, mesmo depois de instaurado o processo criminal. E parece também que nada impede que os atos de ins- peção e a prática dos atos de inquérito sejam atribuídos aos mesmos funcionários ou agentes» (assim, v. Germano Marques da Silva, Direito Penal Tributário , cit., p. 161). 15. O critério sob fiscalização neste recurso não respeita diretamente ao dever de entrega de documentos no âmbito de um procedimento de inspeção, mas tão somente à utilização como prova em processo penal de documentos que foram facultados pelo suspeito – ou já arguido – ou obtidos pela Administração fiscal no decurso de uma inspeção em que o mesmo, na sua qualidade de contribuinte, se encontra sujeito a deveres de cooperação nos termos anteriormente referidos. Ou seja, a disponibilização dos documentos em causa é efetuada no cumprimento de uma colaboração devida a entidade que reúne poderes de fiscalização adminis- trativa no quadro da inspeção tributária com poderes de investigação criminal, enquanto órgão e autoridade de polícia criminal, beneficiária de uma presunção legal relativa à delegação de amplos poderes quanto a diligências e investigações relativas ao inquérito criminal. Como este Tribunal considerou no Acórdão n.º 340/13, existe, por isso, uma interligação entre o pro- cesso inspetivo e o processo criminal, já que a referida documentação é relevante, não apenas para efeitos do processo de inspeção, podendo dar lugar à correção da situação tributária do contribuinte, mas também para efeitos do processo penal, enquanto prova da sua responsabilidade criminal. Assim: «Uma vez que o incumprimento dos deveres de cooperação pode dar lugar a responsabilidade penal ou con- traordenacional, o contribuinte pode ver-se na contingência de, caso se recuse a colaborar com a Administração tributária, sujeitar-se a ser sancionado com a aplicação da correspondente pena ou coima ou de, caso aceite cola- borar, dar lugar a que a Administração consiga obter, à sua custa, elementos de prova que venham a sustentar a acusação por crime fiscal. É justamente devido à circunstância de o contribuinte poder ver-se colocado perante esta alternativa que, neste âmbito, podem surgir tensões com o direito à não autoincriminação, colocando-se a questão de saber se a conjuga- ção do referido dever de colaboração com a possibilidade de utilização dos documentos facultados à administração

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