TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
128 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL contraordenação (cfr. os artigos 113.º, 116.º e 117.º do RGIT). In casu , tem especial interesse a cominação do artigo 113.º, n.º 1, do RGIT: «Quem dolosamente recusar a entrega, a exibição ou apresentação de escrita, de contabilidade ou de documen- tos fiscalmente relevantes a funcionário competente, quando os factos não constituam fraude fiscal, é punido com coima de € 375 a € 75000» (v. também o artigo 32.º, n.º 1, do RCPITA; itálico adicionado). Relativamente às inspeções tributárias, pode decerto afirmar-se com Nuno Brandão que, «[p]or norma, o objetivo primário das fiscalizações empreendidas pela Administração Tributária não é o de indagar possíveis infrações penais ou contraordenacionais cometidas pelos contribuintes, mas apurar a sua situação tributária e liquidar os impostos que porventura se encontrem em falta. Para que tal tarefa possa desenrolar-se em con- dições de eficácia é imprescindível a colaboração das pessoas fiscalizadas, mediante prestação de informações, entrega de documentos, apresentação da contabilidade, etc. Tudo exigências que as leis tributárias impõem à saciedade e que o RGIT reforça com a cominação de coimas para a sua violação. Se da atividade fiscalizadora puder resultar a imputação de crimes ou contraordenações fiscais é essa, em todo o caso, uma consequência reflexa» (vide Autor citado, Colaboração com as autoridades reguladoras e dignidade penal, citado, p. 45). Mas, por outro lado, também não se pode ignorar que, na grande maioria dos casos no âmbito fiscal, «a notitia criminis é obtida pelos agentes da Administração Tributária no decurso das inspeções tributárias» (assim, vide Germano Marques da Silva, Direito Penal Tributário , citado, p. 161). 14. A questão de constitucionalidade objeto do presente recurso emerge precisamente da possibilidade de ligação entre os dois procedimentos, o de inspeção tributária e o processo penal fiscal, regidos por prin- cípios de “sinal contrário” no que se refere à posição processual do contribuinte: respetivamente, o princípio da cooperação com a Administração e o princípio nemo tenetur se ipsum accusare . No tocante ao procedimento inspetivo, cumpre ter presente o disposto no artigo 63.º, n.º 1, da LGT, que, sob a epígrafe «Inspeção», concretiza, no domínio da inspeção, o dever geral de colaboração estatuído no artigo 59.º, n.º 4, do mesmo diploma, estabelecendo o seguinte: «1 – Os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apura- mento da situação tributária dos contribuintes, nomeadamente: a) Aceder livremente às instalações ou locais onde possam existir elementos relacionados com a sua atividade ou com a dos demais obrigados fiscais; b) Examinar e visar os seus livros e registos da contabilidade ou escrituração, bem como todos os elementos suscetíveis de esclarecer a sua situação tributária; c) Aceder, consultar e testar o seu sistema informático, incluindo a documentação sobre a sua análise, progra- mação e execução; d) Solicitar a colaboração de quaisquer entidades públicas necessária ao apuramento da sua situação tributária ou de terceiros com quem mantenham relações económicas; e) Requisitar documentos dos notários, conservadores e outras entidades oficiais; f ) Utilizar as suas instalações quando a utilização for necessária ao exercício da ação inspetiva.» Estas regras, assim como os princípios e obrigações enunciados nos artigos 31.º, n.º 2, e 59.º da mesma Lei, e outrossim o dever de cooperação com a inspeção previsto no artigo 9.º, n.º 1, do RCPITA, são depois concretizados neste mesmo diploma, a propósito das «Garantias do exercício da função inspetiva» (epígrafe do capítulo I do seu título IV), de modo particular nos artigos 28.º [Garantias de eficácia (da inspeção tri- butária)] e 29.º (Prerrogativas da inspeção tributária). O primeiro estatui no seu n.º 1 que «cabe genericamente às autoridades públicas e às entidades inspecio- nadas facultar à inspeção tributária, nos termos da lei, todas as condições necessárias à eficácia da sua ação».
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